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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Dossier SORBONNE N°6: Causos de seminário

Também não poderiam ficar de fora do meu pequeno dossier uns pitorescos episódios seminarescos. No primeiro seminário da Sorbonne no qual falei, dia 19 de dezembro de 2009, acabei sendo obrigado a argumentar com um colega sobre uma de suas afirmações, e fiquei feliz por estar lá e não deixar barato. Ele está no fim de um trabalho interessante sobre “batucada” brasileira e é um estudioso há muitos anos da música feita no Brasil, porém tive que argumentar sobre um termo vago que ele estava utilizando durante sua apresentação: “swing brasileiro”. Antes de questioná-lo, me perguntei se este termo seria usado normalmente numa discussão em uma universidade brasileira e conclui que: “de jeito nenhum!” Swing brasileiro, ou melhor dizendo, o “molho brasileiro”, é algo que se fala muito e todos os músicos sabem o que quer dizer, mas não dá pra sair usando gratuitamente, muito menos em um trabalho acadêmico. Acho que é possível falarmos numa “alta competência na compreensão rítmica” de um gênero musical ou outro, mas não essa mágica do “molho” própria dos vapores alcoolizados das rodas de choro e samba. O resultado do debate foi um leve olhar de prazer do meu professor que coordenava o seminário...
No mesmo dia, na pausa para o almoço no tradicional restaurante japonês em frente à Maison de la Recherche, este mesmo colega insistia que o Choro não era música ocidental, mesmo após ter raciocinado que o Choro, o Jazz e outros gêneros musicais da América Central possuem uma origem em comum, aquela longa história de elementos europeus e africanos se encontrando ao longo do processo de colonização e que viram a luz, todos mais ou menos na mesma época, no ambiente urbano do fim do século XIX e início do século XX. Apesar deste raciocínio, para ele o Jazz ainda continuava sendo música ocidental e o Choro não! Por quê? Para minha surpresa não tive uma resposta e descobri que ele nunca havia pensado por este ângulo! Depois deste episódio calculo que para uma boa parte dos músicos europeus, o Choro, ou qualquer outro gênero nascido no Brasil, ainda seja música não ocidental, exótica. Talvez a Bossa Nova não tenha este estigma, mas também já se confunda com o próprio Jazz, como fez a aluna grega. Pode ser que valha a pena se preocupar e dar uma pensada/estudada nesta situação... Ou não.
Durante estes seminários é claro que um dos aspectos pessoalmente mais marcantes é o fato de ter que apresentar em francês. Por causa deste francês, acontecem algumas situações bastante engraçadas, mas engraçadas só porque estou muito relaxado quanto a isto. Parto do princípio que é mais importante “o que” você fala do que “como” você fala, corroborado pelo aval do meu orientador que afirma ficar satisfeito com a simples compreensão. Esta coisa do “o que” versus “como” parece soar simplista aos mais céticos, mas garanto que na minha condição de “pseudo-gago” é algo vital! Mas não se preocupem, também sei que não dá para abusar da paciência e boa vontade dos ouvintes.
Até agora, o golpe mais cruel na língua francesa, suponho com base nas caretas de minha sonolenta audiência, foi um belo e novo (para lusófonos um tanto ambíguo) verbo lançado: Je me “debruce” sur ce sujet... Os outros golpes também tiveram a sua dose de crueldade, visto o olhar de constante nojo que me lança aquela colega loira de cabelo tosado, sempre vestida à la Madonna e Mad Max, no fundo da sala.


Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.

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Imagem: Debate livre - Bernard Vié

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