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domingo, 28 de novembro de 2010

Dias singulares de um antigo pomar


Este é um texto simples sobre alguns poucos dias singulares. Talvez só poucas pessoas saibam do que falo, ou talvez, este texto, também encontre todos os que um dia brincaram com primos num distante pomar da infância. E que em dias singulares, num reencontro muito tempo depois, tentam reacertar os ponteiros daquela antiga brincadeira.

Reencontro as minhas próprias histórias de pomar, com o antigo pé de nozes, pé de nona, de carambola, goiabeiras, amorinha, o canavial do vizinho, os pinheiros de natal e tantas outras árvores que nos serviram de casa, esconderijo, de fraio! e de fantasia. Agora, nestes dias valiosos, onde a sinceridade quer sair crua, mas amorosa e cuidadosa ao mesmo tempo, meu antigo pomar reaparece como num sonho.

Reencontro primos, amigos com o mesmo avô, correndo descalços pulando as ondulações do gramado, se desviando dos galhos mais baixos, saltando os formigueiros. Para depois andar com cara de cansaço, braços largados e ofegantes, cabelo suado, com o pé verde na soleira da porta, querendo água.

Coisa de primo brincar assim, despreocupado, sobe o morro e a árvore, anda pelo capim com o joelho ralado, às vezes dá um Ai! com espinho no pé. Depois conta histórias na varanda, todos falam ao mesmo tempo, quebra nozes na calçada e vai tomar um café na mesa da vó.

Coisa de primo não dormir de noite, conversar até quase o galo cantar. Ouvir a casa em silêncio e escura, ainda sentir o cheiro vindo da cozinha, do bafo e estalos da geladeira, no meio da noite. Os primos ainda estão contando suas histórias quando alguém já tateia a luz do banheiro três e vinte da madrugada, arrastando os chinelos. Dos outros quartos se ouvem só murmúrios e risinhos.

Primos, que não são irmãos, são amigos com o mesmo avô, são tudo isso. Primos ficam adultos, ficam sérios, viajam e vão morar ainda mais longe. Agora não são mais só amigos com o mesmo avô que moram na cidade ao lado, no outro bairro ou na outra rua. Esses amigos quase não se veem mais, distantes, lembram-se das cores de um pomar, de um jardim, de uma casa, de uma máquina de moer cana, das mãos do nosso avô.

Em dias singulares se reencontram, amorosos e esforçados. O primo ainda é um menino curioso dentro de um homem gentil e bondoso, um verdadeiro cavalheiro, um irônico em construção. A prima ainda é uma menina falante com a sinceridade à flor da pele, é a mãe e a filha cuidadosa. Filha cuidadosa. Nestes poucos e valiosos dias, valiosos seres, se reencontraram pra brincar e conversar, e como riram estes dois e seus queridos.

Eles são primos, amigos estranhos com o mesmo avô. Riram muito. Eu queria ter sentidos em dobro pra poder perceber de novo eles falando e se entendendo. Conversa de primo. Falando de netos sem netos, de cursos de grito e das diferenças do “Ê e do É do Borogodó”, de ouros da Arábia e dos cartões de crédito. Falando da bendita língua presa ao lado da caixa d’água do quase falecido Niemeyer que homenageia a mãe do presidente na praia de Boa Viagem. Tudo por causa da Marinha. Do hotel do presidente e da seleção e do carro que anda em placas de concreto que expande na BR, mas que não faz buraco na cidade.

Conversa de primo. Falando do quiosque reformado, corrida de cavalo e cigarro do Derby, hospital de referência, luzes de natal e gado confinado. Luzes de natal verde, fotossíntese, luzes azuli-roxas e nave espacial, carne gratuita com suco de limão e matrizes culturais do Recôncavo Baiano, movidos acarajé, que não usam elevador e dormem no chão.

Coisa de primo. Brincando de esconder no shopping Recife, contando até mil... meu capri endoidando! Valendo! O fraio é no falo do Brennand, não vale ficar de bruço senão dói. Do silêncio da era pós-motor-à-combustão, do silêncio de Tóquio, de Paris, da salle de bain, da arte do peido da arte, e suas “estórias”.

Das bibliotecárias do Recife, do Miguelzão-Manoelão, do caminho do ônibus, canteiro de obras pernambucano, de um presidente, ministro inglês e presidenta, do sal e brasa, de um banquete entre paredes e árvores, de um queijo coalho que se transforma em abobrinha avinagrada. Do carnaval, de Michael Jackson no olodum, passando pelas sobrancelhas de André Rieu, pela apoteose da Unidos da Tijuca, um chorinho irônico, o encontro do maracatu e do afoxé em Olinda e nas ruas mornas do Recife Antigo.

Primos se encontram pra falar da e de uma missa católica e também de outras igrejas, de sua música e amusia nauseante, e de suas peruas traidoras. Da santa ceia revisitada sempre com a faca na mão. De amigos humanistas,de saguis que explodem, e que graças a um deus, o homem prefere o homem à máquina do homem.

Os primos se unem para rir de uma comentarista anônima de blog. Que raiva! Circo de um palhaço só! Festival de gafes, coisa de primos que estão brincando de pega-pega, correndo pela grama do pomar, saltando os formigueiros, rindo à toa, gargalhando de tão felizes juntos, de novo com o pé verde chegando na casa do vô.

Em dias singulares como estes, os primos se reencontram, se descobrem diferentes, primos de longe no tempo. Ainda brincam, falam sem parar, riem muito, contam histórias ao mesmo tempo e sonham com a voz do mesmo avô. São estranhos confidentes, sinceros, cuidadosos e amorosos. Todos nós loucos na medida certa... quem sabe? Estranhos buscando aos risos o mesmo antigo pomar.


Para Celine e Osnir, primos que conseguiram se reencontrar, e agora brincam e conversam.


Com carinho,

Leandro Gaertner

Recife, 28 de novembro de 2010.


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Imagem: "The meeting" (Janett Marie)

http://janettmarie.blogspot.com/

terça-feira, 23 de novembro de 2010

-estamos no meio-

Estamos no meio do rio. Não somos o policial federal que reclama do barulho dos seus vizinhos com a arma na mão, mas também não somos a pequena comunidade de humanos que moram numa casa sem TV, sem internet, em desapego ao material. São dois extremos, produtos de nossa sociedade. Nós estamos aí no meio.

Um policial federal, até onde me consta, orgulhoso deste cargo. Jovem e pai de diversos filhos, acho que uns quatro ou cinco, morador de um simplório condomínio, destes do meio do caminho, destes de uma classe média estudantil, próximo aos sons da 101, dos odores do Cavoco, à sombra da SUDENE.

Uma comunidade de desapegados, numa casa, não, numa fortaleza murada em frente aos olhos semi-cerrados do batalhão, perto de um castelo holandês cheio de jóias antigas, não muito longe dos ares pensativos, pensativos, pensativos, da universidade.

O policial, com a farda atrás da porta, com a arma na mão, troféu dos idiotas, desce um lance de escadas de queixo firme e chuta a porta entreaberta aos convidados de uma festa. Grita e ameaça duas falantes gentis bolinhas marrons de pêlo, uma do centro do continente outra do extremo calorento. Duas bolinhas falantes surpreendidas pelo penetra com troféu de idiota.

A comunidade entre muros, entre árvores, faz seu próprio pão, abre as portas a todos e acolhe. Com milenares movimentos explora e ajuda nas dores do corpo, do ser, a comunidade exala incenso e humanidade. Não acolhe a internet, acolhe o homem, os bichos e as plantas. A internet é também o homem. Uma ilha das sensações, um retorno ou um passo além, um lugar sem troféus.

O policial preso no seu pequeno quarto do pânico, das mulheres ou homens que não teve, das noites que não dormiu, dos livros que não leu, das imundícies que ouviu e viu, agora aponta sua poderosa arma preta para uma bolinha branca enrolada numa toalha azul.

A comunidade canta a existência e abraça quem chega. Um lugar da Terra, bondoso e frio, à espera, aberto, à espera, é só chegar. Os desapegados entenderam longe e assim ignoram quase tudo, como a natureza. Ignora e pulsa. Estão à espera e jamais invadem. Eles passam.

O policial que grita com a bolinha, que não grita, mas faz poesia e vive para pensar como fazer mais bolinhas novas e agitadas viverem na poesia, uma bolinha que vive para homenagear o universo, doce bolinha cosmopolita essa. Um revólver intruso, duro e mortal, ele não quer só passar. Um invasor, pedinte, ele quer a vida do outro, só ele existe, um idiota com seu troféu.

A comunidade, comum de gente que não entende mais o que acontece lá fora. Gente desapegada e cansada, uma desistência, um outro caminho, uma outra margem do rio, o topo de uma montanha, quem sabe. A comunidade é também mundo, que toca no mundo o mínimo possível, que o toca na medida do possível. Não se esconde. É também mundo. Humanos como natureza, eles são.

O policial também não se esconde, tem sua armadura, tem sua arma, tem seu carro, têm seus números e seus códigos. Pode sim descer as escadas e querer a vida de outro. É quase um bicho encurralado, assustado que sai da toca tocado pela fumaça e pelos risos. É um bicho sim, que anda sobre a Terra, tem direito a ela, mesmo sem entender nada, ou muito pouco.

A comunidade tem gente que não usa camisa, não usa nem chinelo, talvez um chinelinho de couro, uma saia de côco. Entres as árvores e os muros falam português, francês, alemão, espanhol, inglês, tudo misturado num recifês contemporâneo. São pessoas que dançam, gostam de sentar na terra, andar nela, ficam horas vendo uma flor com preguiça de abrir e daí sempre abrem sua porta.

O policial não abre a sua porta, ela é blindada, tem uma farda lá pendurada que ele mostra aos poucos visitantes. Ele não abre nada, ele invade, mete o pé gritando, não tolera garrafas se quebrando pela escada do prédio. A língua dele faz visitantes correrem em pavor e sentirem a bala da arma queimando nas costas. É um atraso.

A comunidade não é fria, mas também não é calorosa não. Lá as notícias não voam, não tem internet, as notícias andam devagar, elas passam e não duram, igual à natureza. Gente desapegada, livre e boa da comunidade não vai resolver, vai deixar, convidar, a ficar e a passar com ela. É como a Lua que nos acompanha lado a lado no espaço.

O policial é um bicho que pensa ser o senhor do instante, fugazes, que segue um monte de ideias que se pretendem ideais. Pensa pouco. É um ingênuo, ingênio, que por ter ouvido muita imundície pensa ter ouvido tudo. Ainda não conheceu o outro lado do rio, só uma espiadinha já ajudaria. Se isto acontecesse não sairia pelas escadas de arma em punho, ameaçando a vida ou a liberdade de poetas, que vivem pra pensar como ensinar poesia.

A comunidade não faz ameaças, nem sabe o que é isso. Também não gostaria que vissem o outro lado do rio como nós vimos. Podem ficar lá na pequena ilha entre muralhas, podem ir para a montanha, se unam à natureza e nos ajudem de vez em quando. Eles nem pensam em ajudar, só estão e são, é só chegar, olhar, ouvir, cheirar e ficar feliz, é como a Lua. Eu ainda conheço muito pouco, preciso de um telescópio e de um microscópio, de mais filosofia.

Nós não somos o policial federal que invade e ameaça grotesco (me perdoem as grotas) com seu troféu dos idiotas nas mãos, também não somos os seres serenos da comunidade que não acolhe a internet. Nós estamos no meio, como eles gozamos e sofremos. Aqui é o melhor lugar? Não sei. É uma merda, mas eu gosto. Gostamos de ver tudo que dá. Gostamos de andar por tudo, falar com todos, com bondosos, cuidadosos, que nos amam, que nos suportam, displicentes, aproveitadores, colaboradores, gênios e imbecis, a maioria tudo isso ao mesmo tempo, corremos mais riscos. De vez em quando nos apavoramos com os extremos como o aqui personificado por um policial federal vizinho do andar de cima, como também nos apavoramos com seu pretenso arqui-inimigo, um cocainômano armado que quer nos roubar, só mais um com seu troféu de idiota, pronto a _tirar a vida de quem só está no meio do rio, passando e vendo tudo, à mercê, à deriva, tentando entender, avançando rio acima.

Pra Camba!


Le

Recife, 23 de novembro de 2010.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

...uma Flauta cósmica...

Como olhar para uma tese de musicologia depois de tomar conhecimento sobre o que nós já sabemos do Cosmos? Eis a questão...

Antes de pensar em musicologia, fiquei pensando da maneira mais pragmática possível sobre o que é “tocar flauta” aqui, neste lugar que chamamos humildemente de Cosmos. Através de um cilindro oco de origem rochosa, com furos e pequenos engenhos arranjados com cuidado sistemático brincamos com ondas mecânicas de um certo tipo, ondas percebidas assim com exclusividade por nossos organismos devido a um processo de transformações biológicas de milhões de anos. A brincadeira com estas ondas mecânicas, que chamamos “som”, ainda foram se organizando até atingir um estágio de produção de sentidos, uma linguagem, que chamamos de “música”. Poderia ser até bem poético e dizer que a flauta representa o som da Terra, já que é feita de metal e o metal extraído das rochas. Não somente desta Terra, mas também de outras Terras e Martes, qualquer planeta rochoso. Isso seria injustiça com os instrumentos feitos de madeira, além de injusto com os planetas gasosos. Os instrumentos de madeira poderiam ser o som de outros organismos que crescem sobre a Terra, as árvores. Apesar de engraçadinho, departamentalizar deste jeito é inútil. Parece que toda matéria pode pertencer, poderia ter pertencido, poderá pertencer, já pôde ter pertencido, já pertenceu a todos os lugares, em todos os tempos. Toda matéria made in Terra é também made in Cosmos!

Se olhássemos de longe, de outro sistema estelar, de outro planeta ou até, quiçá, pudéssemos ver com os pés fincados a bordo de um planeta intergaláctico, alguém segurando este pedaço de matéria cósmica engenhosamente perfurada, brincando com ondas cósmicas mecânicas, integrando este frágil organismo biológico ao que ele pertence de verdade, estou certo que teríamos uma visão cósmica da felicidade! Um humano tocando uma flauta, ou um violino, um piano, um berimbau, uma ocarina, um pandeiro, assobiando, cantando... é um sinal de uma “consciência de si criadora”. Acredito que isto seja bem-vindo ao Cosmos. Na verdade, acredito que algo que conhecemos como “humanidade” seria para além de um acaso (isto sabemos que é um fato), um produto final do Cosmos, que através de nós é consciente de si. Acredito também que não somos os únicos a tornarem o Cosmos consciente de si e por outros cantos, espalhadas pelo Cosmos, sei que outras flautas também tocam. E neste espaço e tempo de proporções ignotas à nossa condição, que talvez se reconfigure totalmente em ciclos infinitos, como por exemplo um infinito ser vivo que sempre nasce e morre a cada “trilhões de anos” (um dos lados da Teoria do Big Bang), todo gesto criador de um ser consciente de si é uma homenagem ao Universo, como também é uma doce homenagem o solitário polvo que morre lentamente para proteger e salvar seus descendentes.

Tocar um instrumento musical é uma ligação física com o Cosmos, na verdade viver consciente é uma ligação física! Indo um pouco mais longe, tudo é físico! Mas consciência: solidão de nossa espécie! Solidão de nossa espécie? Não podemos desprezar as consciências das outras espécies.

Tocar flauta é fazer música com um pedaço de pedra, de osso ou de madeira polida, de Terra, de Cosmos polido. A flauta é um pedaço do Cosmos humanizado, uma arma também é. Plantar e salvar uma vida biológica, existir, nos conhecermos, estudar, aprender, ensinar, o uso de nossas ferramentas para a busca do conhecimento, a ampliação de nossa consciência: isto homenageia o Cosmos. A arte e a verdadeira ciência são também homenagens. A fé também é um produto de nossa consciência, mas ela deve estar também atualizada com o “agora humano”, com a “franja do espírito do tempo humano”, do contrário ela é negligente e injusta com os que passaram.

Quando penso em uma coisa boa da humanidade penso em alguém tocando um instrumento. Imagino um ser visitante de outros cantos do Cosmos curioso com esta atividade. Acho que ele acharia engraçado. Provavelmente não poderia ouvir como ouvimos, entenderia como inofensivo à sua própria sobrevivência e até, talvez, a imagem de um humano com uma flauta poderia ser para ele a prova de que temos consciência cósmica. Acho também que este ser hipotético entenderia que a flauta é bem-vinda no Universo.

Como adoro ficção-científica, outro dia estava pensando, depois de brincar com uma menina de 3 anos: se ocorresse um evento incrível, como a chegada de uma enorme nave alienígena na Terra e, se essa civilização alien estivesse nos testando, eu não pensaria duas vezes, mandaria uma criança de 3 anos para nos representar. Ah Clarinha! Que olhos brilhantes! Que sinceridade natural, que alegria de estar viva, que curiosidade, que humanidade mais gostosa! Mas, se a lei não permitir uma criança, mande logo a segunda opção, mandem um artista, mandem um cosmopolita.


Leandro Gaertner
Terra, Recife, agora.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

COSMOS de Carl Sagan

O que é o Cosmos? Para Carl Sagan é o oposto do caos... Cosmos é a ordem elegante, constante, a lógica sutil que predomina em tudo no universo. Envolve desde os eventos mais distantes das escalas humanas, como a morte de uma estrela, até o desabrochar de uma florzinha no jardim da praça. Eu esqueço, esquecemos, ao longo dos nossos dias respirando o ar que existe neste planeta, que fazemos parte de algo grandioso. Algo que nem mesmo caberia na nossa pequena e local linguagem; a palavra "grande" não faz sentido ao cosmos, apesar de fazer sentido de onde olhamos para ele. Nós simplesmente estamos aqui, em forma de uma matéria muito rara e preciosa, matéria consciente de sua própria existência.

Carl Sagan, Steven Soter e Ann Druyan escreveram a série Cosmos, que foi ao ar na TV pela primeira vez em 1980, transmitido pela Public Broadcasting Service. Nas palavras de Ann Druyan "Cosmos é repleta de empreendimento científico e ainda tenta comunicar a alta elevação espiritual da evolução central e as maravilhas do universo. Então, por favor, desfrutem de Cosmos, a orgulhosa saga de como através da busca de 40 mil gerações de nossos ancestrais nós chegamos a descobrir nossas coordenadas no espaço e no tempo..."

Ler Sagan e assistir Cosmos é uma injeção de humanidade, nos lembra onde estamos, quem somos, o que sabemos... Nos enche de esperança e humildade.



Assista os vídeos em português no canal TVEscola0002 no YouTube a partir deste link:



Ou compre os DVDs da série Cosmos, fácil de localizar através do Google.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Charles Chaplin

Quando criança, lembro que vi algumas cenas de filmes do Carlitos, talvez até mesmo tenha visto filmes inteiros, mas não lembro... Somente ontem fui parar e ver um filme inteiro, e atento e aberto para entender o que ele queria dizer. E o olhar, a fala, o riso, a dança, a música, a brincadeira de menino dele me atingiram na veia, no osso, no coração, sei do que ele está falando! Está falando! Continua falando! Esta é a maravilha da arte, ela fala por muito tempo, muitos tempos. Acredito que um artista não é alguém a frente de seu tempo, é alguém que poderia viver em todos os tempos, necessário em todos os tempos, acho que isto é a eternidade. A ideia de eternidade como infinitude temporal, o "para sempre", não nos compete, pode até mesmo nem ser humano e dela só posso ter os sonhos mais certamente imprecisos. Hoje entendo a agonia de Carlitos... mas acho que somente posso entender, não sentir. Minha agonia sinto eu. Os sonhos que Chaplin cantou ao mundo são também os meus sonhos... Com Chaplin na tela dá pra entender que a genialidade é o infinito encerrado num ser! Com seu olhar ele nos ilumina.


O último discurso

de “O Grande Ditador”


Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.


O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!
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Charles Chaplin
Terra, 70 anos atrás
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http://www.youtube.com/watch?v=FPzgq8sNbMI

http://www.culturabrasil.pro.br/chaplin1.htm