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domingo, 14 de setembro de 2008

Homenagem ao Maestro Egon Bohn


Há quase 20 anos falecia na sua casinha do sítio em Gaspar Mirim um homem forte e idealista, que deixava para a memória de seus familiares, alunos e amigos mais que uma sensação de perda e saudade, mas um legado de valores e conduta virtuosa, baseados na educação musical de qualidade. Seu trabalho e amor pela arte e pela cultura continuam ainda hoje ecoando nas igrejas, palcos e escolas através de várias gerações de discípulos e descendentes destes ideais.
Egon Bohn nasceu em Blumenau em 3 de julho de 1929 e, como nos conta sua filha, a musicista Celine Bohn Gaertner, descobriu o mundo dos sons numa gaita de boca quando era garoto, tocando nas caminhadas para a igreja e para o trabalho. Saciava sua curiosidade musical observando professores e maestros, pesquisando em livros e instrumentos que lhe chegavam às mãos, assim aprendendo quase sempre de forma auto-didática. Foi um jovem de personalidade muito marcante, perfeccionista, com espírito de liderança e muito exigente no tocante à disciplina. Com uma formação escolar fundamental começou a trabalhar muito cedo, antes dos 14 anos na Usina de Açúcar São Pedro em Gaspar (1943 - 1945), depois trabalhou na Indústria de Linhas Leopoldo Schmalz S.A. (Linhas Círculo) em Gaspar (1945 - 1953), Fritz Lorenz S.A. em Timbó (1953 -1954), Comercial Cláudio Gaertner em Blumenau (1954 -1955) e Neitzel Corretores de Seguros Ltda em Blumenau (1955 -1975). Em 1945 foi admitido na Congregação Mariana da Paróquia São Pedro Apóstolo de Gaspar, onde optou naturalmente por participar da Banda São Pedro, fundada logo em seguida em 16 de junho de 1946. Neste período também teve aulas de trombone com o maestro da banda Sr. Eurides Luiz Polli e ingressou no Coro Misto Santa Cecília sob a direção do Sr. Luiz Franzói.
Em uma de suas apresentações musicais (30.11.1954) conheceu sua futura esposa, a musicista Claudette Goerisch (Bohn), com quem teve quatro filhas, Celine Bohn (Gaertner) (*1958), Lorena Bohn (Bornhausen) (*1959), Juvani Bohn (*1960 +1960) e Noêmia Bohn (Pessatti) (*1961). Em 1958 assumiu a regência do Coro Misto Santa Cecília, coincidindo este momento com a reformulação da liturgia católica romana. O pároco Frei Arthur Kleba OFM convida Egon Bohn para reorganizar o coro e adaptar o canto às novas diretrizes da Igreja, com as celebrações agora em língua portuguesa. Contando com a ajuda de Frei Arthur, Sr. Ildefonso Koser e de vários outros coralistas perseverantes, Egon Bohn inicia a reformulação do Coro Misto Santa Cecília, convidando jovens integrantes, ensinando música para os iniciantes, incluindo atividades de preparação vocal, leitura e solfejo e ampliando o repertório com canções folclóricas e outras não ligadas diretamente ao rito católico. Para aperfeiçoar o coral, o maestro Egon Bohn não mediu esforços, buscando orientação em diversos cursos em Blumenau, Florianópolis e Rio de Janeiro, onde teve aulas com grandes músicos como Heinz Geyer, Oscar Zander e Padre Penalva. O maestro João Batista Bohn, irmão de Egon, explica que neste período também ocorreu um evento de grande importância histórica para a Banda São Pedro (nesta época regida pelo maestro Eurides Luiz Polli) e Coro Misto Santa Cecília, a junção destes dois grupos guiada com energia pelo Sr. Egon Bohn. João Batista Bohn ainda explica em seu livro sobre o Clube Musical São Pedro que o maestro Egon Bohn incentivou com disciplina a igualdade entre os músicos da instituição, sem distinção racial, idade ou ideologia política, configurando um novo conceito de respeito mútuo e companheirismo. Outro tabu histórico foi se resolvendo também nesta época, como a participação de mulheres na banda e a convivência amistosa entre católicos e protestantes.
O maestro Egon Bohn pôde dedicar-se com mais intensidade após conseguir sua aposentadoria em 1975, pois até então todo seu trabalho com música era filantrópico e realizado nas horas livres. A partir desta data dedicou-se de corpo e alma para as atividades musicais de Gaspar, lecionando gratuitamente para os iniciantes da Banda e do Coro Misto e trabalhando como maestro destes dois grupos. Também preocupou-se com as questões públicas como a poluição sonora urbana, apresentando um projeto pioneiro na câmara de vereadores. Em 1977 organizou uma escola de música reconhecida pelo Departamento de Extensão Cultural da UFSC, possibilitando desta maneira um aprendizado musical de caráter laico e de grande competência técnica na comunidade gasparense. Hoje, esta escola está registrada com o nome de Escola de Iniciação Musical Egon Bohn, e ao longo dos anos 80 e 90 foi responsável pela formação inicial de diversos profissionais da música em nossa região, como sua filha, a musicista Celine Bohn Gaertner, maestrina do Coro Misto de 1988 a 2002, seu neto, o flautista Leandro Gaertner, solista da Orquestra de Câmara de Blumenau e professor de música na UNIVALI e o pianista Dayro Bornhausen, atual maestro do Coro Misto Santa Cecília e professor de música na FURB.
O Maestro Egon Bohn faleceu com 59 anos no dia 2 de novembro de 1988. A missa em homenagem foi realizada na Igreja Matriz de São Pedro Apóstolo de Gaspar, num dia silencioso e ensolarado, quando o tempo pareceu parar de tristeza com os acordes do Ave Verum de W.A.Mozart interpretado pelos seus muitos admiradores. Em uma homenagem póstuma publicada na época, o jornalista Silvio Rangel resumiu carinhosamente o que vem se comprovando nestes quase 20 anos: “Boa Noite Maestro! Teus discípulos te perpetuarão. Tua obra te imortalizará.” Egon Bohn foi mais que uma personalidade gasparense, foi um verdadeiro artista!

(Tive o privilégio e a honra de ser contemporâneo do Vô por 10 anos e 11 meses....Jamais iremos esquecer do “Ô... Zé!”! Tu estas presente na música e nos passarinhos!)

Leandro Gaertner - Escrito em Gaspar, dia 20.08.2007


Imagem: Orfeu (O.Redon)

domingo, 7 de setembro de 2008

VALE DO ITAJAÍ X VALE EUROPEU


O Vale do Itajaí é uma região com ótima qualidade de vida, comparando com o restante do Brasil e é quase unânime dizer que aqui se vive bem apesar de, é claro, termos nossas falhas e deficiências. Temos vários transtornos crônicos causados pela defasagem nas opções de transporte, por exemplo, temos também problemas sociais e tantas outras dificuldades encontradas em todos outros lugares.
Basta olharmos com atenção para notar que moramos em cidades de pequeno e médio porte, cercadas de morros e mato, perto de ótimas praias, são cidades até razoavelmente organizadas e limpas, cheias de belíssimos recantos naturais. Ao andarmos pelas ruas vemos sempre uma citação dos nossos antepassados que aqui chegaram com sua acolhedora arquitetura. Como nossas cidades estão bem próximas, não existindo um grande espaço vazio entre elas, numa média de 15 a 20 kilômetros de distância entre cada uma, seus habitantes acabam se integrando, tanto profissionalmente, culturalmente ou recreativamente. Somos alimentados pelo caudaloso e barrento Itajaí-Açú e pela mata de maior biodiversidade do planeta, a Mata Atlântica, que recentemente ganhou um parque nacional de preservação, fruto da longa e heróica luta de pesquisadores e professores de nossas escolas e universidades.
Vivemos em cidades interioranas e bem longe da alucinante rapidez e quase infinitas opções de uma grande metrópole. Porém, mesmo não tendo esse ar de grande capital, temos aqui instituições tradicionais e sólidas que favorecem a circulação de pessoas e sua formação, propiciando uma comunidade/ambiente cosmopolita. Uma dessas instituições é a própria identidade que vêm ganhando contornos mais definidos nas últimas gerações, a identidade do habitante nativo do Vale, sua herança européia, africana, ameríndia ou asiática, diluída, integrada e expandida nesses ares úmidos, espalhada pelas brumas que saem das pirambeiras verdes todas as manhãs.
Chamarmos nosso Vale do Itajahy de Vale Europeu é negar tudo isso! É negar a realidade, as belezas e as feiúras, todas as dificuldades AQUI enfrentadas por nossos antepassados, nossa identidade calcada no trabalho e nossa sofisticada interpessoalidade. É também não estar ciente que a Europa, por exemplo, não aboliu os trens nos anos 60, pelo contrário soube manter e aprimorar as malhas ferroviárias intermunicipais, inter-regionais, nacionais e internacionais. Lá os rios não são esgotos desde a primeira metade do século XX (além disso, são usados como meio de transporte), não tem favelas na periferia e na administração dos recursos públicos têm menos lugares para diletantes.
Aqui, justifica-se a alcunha Vale Europeu como sendo um chamariz turístico! Isto é um ótimo exemplo de diletantismo. No Brasil, o Vale do Itajay já tem força suficiente e sustenta-se, como disse anteriormente, com suas instituições: temos universidades, teatros, tecnologia, grandes empresas, comércio especializado, festas de grande porte organizadas e seguras, boa qualidade de vida e identidade. Agora façamos propaganda disso tudo dentro da nossa exuberante paisagem e clima subtropical. Vamos dar um bom exemplo de turismo regional: alguém já ouviu falar em Alpes Gaúchos? Acho que não... Acredito que nossos vizinhos do sul estão bem contentes com a performance turística da sua Serra.
Essa ingênua e provinciana metáfora de Vale Europeu nunca vai atrair os turistas endinheirados da Europa, América do Norte e até mesmo os bons turistas brasileiros, que não são bobos e vão eles mesmos conhecer um vale europeu de verdade, com seus castelos, trens bala e muito frio. Os turistas não querem saber de pessoas disfarçadas e orgulhosas por uma ilusão fantástica, assim já basta a Coréia do Norte.


Imagem: Foto do Rio Itajaí e Morro do Baú (Gilberto Harbe)

Leandro Gaertner - Escrito em Gaspar, dia 05/06/05