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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Dossier SORBONNE N°1: Considerações iniciais & Universitas

Considerações iniciais
Faltam algumas semanas para o fim deste período mais longo em Paris e nada mais apropriado do que escrever um pouco sobre o motivo principal de minha vinda, ou melhor dizendo, a justificativa consciente deste empreendimento. E bem apropriado iniciar este texto escrevendo à mão, in loco, no terceiro andar atrás da cúpula da antiga capela da universidade, aqui nos raros metros quadrados reservados à UFR de Musique et Musicologie.
Preferi começar a escrever ainda durante o processo que estou vivendo e assim preservar um movimento no texto, uma história de amor e ódio. E também por esta semana estar particularmente calma, nobre, possante e ter me inspirado sentimentos muito fechados e profundos. (Possante é (a) inspiração do meu querido amigo e poeta das bossas Paulo da Costa, o Paulo da Bossa!)
A universidade já está em clima de férias, o calor chegou, mas para meu prazer ainda tenho um seminário dia 12 de junho, no qual irei apresentar o artigo escrito a quatro mãos com a Cambacica. Estou contente, pois é um artigo que acaba de ser publicado na Revista Música Hodie Volume 9 N°2 da Universidade Federal de Goiás e poderei expor para meus nobres colegas no seminário doutoral... Curioso pelos comentários e sugestões. Afinal, é um artigo nascido do fundo de uma garrafa de vinho, em um longínquo verão de Gaspar.

Universitas
Após esses meses em Paris e em Ivry sur Seine, a cidade vizinha à Paris onde fica o cafofo do Denis, minha caverna, sinto um grande amadurecimento quanto ao funcionamento da máquina acadêmica parisiense, francesa, amadurecimento que escapa (não consigo evitar) aos avaliadores de projetos em música da Capes e Cnpq, órgãos institucionais brasileiros de apoio à pesquisa, educação e produção de conhecimento.
Parecido com o Brasil, na França também existem diferenças entre as universidades. Diferenças de tamanho, de estrutura, organização, espaço físico, infra-estrutura, qualidade do corpo docente, critérios de avaliação e de seleção. Tudo isso também existe na França, como no Brasil existe, por exemplo, a diferença entre USP e Universidade Espírita à Distância. Pensando bem, talvez na França não tenha uma disparidade tão abissal... Mas, enfim, vocês pegaram o mote. Indo um pouco mais longe, dentro das universidades também existem os departamentos especializados, que também variam qualitativamente. Por exemplo, o Departamento de Psicologia Cognitiva da UFPE é tradicionalmente mais produtivo que o Curso de Psicologia da Faculdade Internacional de Cursos Livres... Bom, já estou abusando... O que pretendo dizer é que na França também existem diferenças entre as universidades, a grosso modo, e que também existem diferenças entre as unidades e os departamentos especializados. Então acaba sendo muito vago somente dizer “Fulano estuda na França”; claro que isso já basta aos ordinários deslumbrados, mas na verdade não explica nada.
Estou nestas antigas terras de Lutécia desde setembro do ano passado (além de um período na École Normale de Musique no ano letivo 2003-2004), e com minha compreensão atual, restringindo a discussão, entendo que podemos fazer uma tese de doutorado abordando música em diversas universidades de Paris, como a Paris 4, Paris 1, EHESS, Paris 8... E, a grosso modo, todas elas universidades de grande qualidade em muitos aspectos. A diferença para quem estuda música, no entanto, reside na existência ou não de uma UFR (Unité de Formation et Recherche - Unidade de Formação e Pesquisa), exclusiva para a música nesta ou naquela universidade, algo que em Paris, e na França, só acontece na Universidade Paris 4, a Sorbonne. Isto significa uma estrutura maior, mais investimento, mais professores, mais salas preparadas para aulas de música, mais alunos, mais amplitude e projeção das pesquisas e discussões, mais concertos, mais seminários e congressos sobre música, mais grupos, orquestras, corais, música de câmara, bem mais interessante pra quem vem até aqui se aprofundar em música.
Por exemplo, a EHESS (École des Hautes Études en Scienses Sociales – Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais) também oferece a possibilidade de fazer um mestrado ou doutorado abordando a música. A menção do mestrado em música na EHESS é na verdade “Master en Scienses Sociales de l’EHESS – Mention Théories et pratiques du langage et des arts – Spécialité Musique” (Mestrado em Ciências Sociais da EHESS – Menção Teorias e práticas da linguagem e das artes – Especialidade Música) e o seu doutorado é “Doctorat Musique, Histoire, Societé” (Doutorado Música, História, Sociedade). Ou seja, a música está a priori integrada numa estrutura interdisciplinar, muito legal para historiadores e sociólogos que queiram estudar fenômenos desta natureza ligados à música. Porém menos divertido para quem chega em Paris com seu instrumento em baixo do braço.
O título de graduação em música da Sorbonne é “License en musique et musicologie” (Licenciatura em música e musicologia). Os títulos de mestrado são “Master de Musique et Musicologie – Recherche et Professionel” (Mestrado em Música e Musicologia – Pesquisa e Profissional), “Master Professionel Administration et Gestion de la musique” (Mestrado Profissional Administração e Gestão da música), “Master Professionel Pratique de la musique médiévale” (Mestrado Profissional Prática da música medieval) e o doutorado é “Doctorat en Musique et Musicologie” (Doutorado em Música e Musicologia). Em uma UFR exclusiva para a música é bem mais fácil de trabalhar com os fenômenos musicais e artísticos. Mesmo que a Sorbonne tenha uma forte tradição teórica na música, ainda assim é muito mais divertido para aqueles pobres coitados, como eu, que vivem com os dedos coçando, com vontade de tocar.
A comparação entre a estrutura do que se faz em música na Paris 4 e nas outras universidades francesas fica mais ou menos no mesmo grau da comparação feita acima com a EHESS, ou seja, a música fora da Sorbonne é tratada como uma especialidade de uma UFR interdisciplinar ou então como uma tese que aborda um tema em música num departamento de história ou sociologia. Acho que a situação da música na Paris 8 é interessante; está estruturada no Département Musique, dentro da UFR Arts, Philosophie, Esthétique (Unidade de Formação e Pesquisa em Artes, Filosofia, Estética) e seu doutorado tem a menção de “Doctorat Esthétique, scienses et technologies des arts spécialité Musique” (Doutorado Estética, ciências e tecnologias das artes especialidade Música). Pela menção e também pelo projeto de doutorado de um amigo músico que pude ter um pouco de contato, talvez as discussões na Paris 8 se voltem um pouco mais para a arte, estética, fenomenologia da música que no EHESS, por exemplo.
Ao dizer isso tudo não quero ser pedante (já sendo) e sim informar que, quem pretende vir à França para um mestrado ou doutorado em música ou quem pretende avaliar e julgar projetos de doutorado em música (tenho a intuição que preciso ser muito explícito para atingir a compreensão dos musicólogos requisitados pela Capes e Cnpq), deve saber que “a locomotiva da musicologia francesa é a Paris 4”, segundo as palavras do professor François Madurell, o Chico Madureira. Como no Brasil, as universidades aqui tem os seus pontos fortes e fracos no seu interior. A Paris-Descartes (Paris 5) é tradicionalmente a Escola de Medicina, a Phantéon-Sorbonne (Paris 1) de Direito e a Paris-Sorbonne (Paris 4) de Música... Claro que é tudo mais complicado que esse resumão. Estas universidades tem outras áreas de excelência, de decadência e certamente também alguns buracos negros, mas não tão profundos como os da Universidad Evangélica del Paraguay!
Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.
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Dossier SORBONNE N°2: IniciAtivas


Além de uma UFR de Musicologia e de dois grandes grupos de pesquisa em música na Escola Doutoral 5, a Sorbonne, acaba de iniciar um gigantesco convênio com a rede de conservatórios parisienses, colocando em prática a entrada de intérpretes no meio acadêmico. Isto é, têm instrumentistas e cantores de altíssimo nível técnico escrevendo sobre leitura, escuta e interpretação musical no mestrado e doutorado da Sorbonne. E para completar este esforço de diálogo entre os intérpretes (os músicos práticos) e o meio acadêmico intelectual de produção de conhecimento e pesquisa, neste mesmo ano letivo 2009-2010, os dois grupos da Escola Doutoral 5 da Sorbonne, o OMF e o PLM se uniram (pela primeira vez) para realizarem uma série de seminários intitulados “Análise e Interpretação”, com convidados muito especiais como Zélia Chueke, Sônia Rubinsky, Murray Perahia, Luis Beduschi, Carl Schachter... Pra mim, toda história se encaixa como uma luva, pois é justamente o meu interesse da especialização que fiz na EMBAP e mestrado na UFPR e que, naturalmente, quis dar sequência no doutorado.
Outra iniciativa deste ano, liderada pela Profa. Zélia Chueke e Prof. Madurell foi o convênio entre a Sorbonne e a UFPR. Um convênio que não se restringe à música, mas que prevê a cooperação e intercâmbio de alunos e professores de todos os cursos destas universidades. Por ironia do destino fui chamado na última hora para ajudar na tradução do documento deste convênio que vai beneficiar muitos doutorandos e afins... Digo ironia visto a dificuldade que foi a minha própria inscrição no doutorado e envio do dossiê para a universidade ano passado, enquanto estava em Recife, quando a Sorbonne estava em greve e fui salvo pelos conselhos da Daniele Barros e ajuda inestimável da querida Luciane Beduschi! Este convênio facilita a burocracia, é um gol de placa!
Outra iniciativa da Profa. Zélia Chueke em parceria com a Profa. Daniele Pistone (Dani Pistão), foi a conclusão da versão brasileira da série “Langues musicologiques”. Um pequeno livro com textos diversos, diálogos e explicações abordando a terminologia musical de maneira didática e que já tinha versões em francês, inglês americano, alemão, espanhol e italiano. Também tive o prazer de colaborar neste projeto, iniciando a tradução, que depois passou pelo pente fino da Zélia e de um linguista da UFPR. Também gravamos um CD com os diálogos do livro num estúdio da Sorbonne, numa bela tarde de neve de fevereiro, na companhia da amiga Juliana Pimentel e Prof. Isaac Chueke. Até acabei fazendo um pequeno jingle chorão na flauta para separar as lições no CD... Ainda não sei como ficou... Tem até um coments engraçado: como este jingle partiu de um motivo típico do choro (que aparece, por exemplo, no final de vários choros e inclusive no final da versão de Urubu gravada por Pixinguinha em 1923), cada vez que toco ele numa roda, o Denis7Cordas relembra a gravação na Sorbonne... Enfim, este motivo agora já quase pode ser chamado de “Tópica Sorbonne” de tanto que falamos.




Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.

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Imagem: La belle idée - Margritte (1964)

Dossier SORBONNE N°4: Doctorales

De todos os seminários, eventos, palestras e concertos que pude participar, talvez o mais significativo e importante tenha sido o primeiro congresso Doctorales Musique et Musicologie, que aconteceu na Salle des Actes (a mais chique) no final de março. A Cambacica chegou em Paris no dia 30 de março e eu falei no dia 31! Isso foi pra gente um momento especial! Ela acompanhou de dentro meu percurso como aspirante acadêmico, me viu tentar fazer o primeiro projeto de mestrado para a seleção da UFRGS, que foi rejeitado com violência, depois a seleção do mestrado na Unicamp, que só me restou pegar a senha da lista de espera e tomar um cafezinho e finalmente os projetos vencedores na UFPR e na Sorbonne.
Para então chegar na Doctorales e me ver falar em 20 minutos, um resumo da tese de doutorado para vários professores e doutorandos em música da França inteira. Foi fantástica a experiência, porque minha exposição (“exposé”, para os íntimos) gerou bastante debate e questões, coisa que só ocorre quando os ouvintes compreendem a ideia exposta, pois do contrário, eles geralmente dormem, inclusive alguns professores, que não vem ao caso citar. Para garantir, coloquei o Degenerado para acordar a galera e falei precisamente o tempo previsto, com a ajuda do Power Point e do texto revisado pelo Denis duas horas antes. Durante a fala, me sentia extremamente bem no meu blazer marrom, só vendo aquela Cambaciquinha meio risonha lá no canto. Depois desta aventura acadêmica, falar nos seminários doutorais do meu orientador é moleza... Parece que criei ainda mais gosto pela coisa, não deixa de ser uma performance.


Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.

Dossier SORBONNE N°5: Doutorando e Directeur de Recherche: um namoro à distância


No último seminário que falei, dia 29 de maio, aproveitei para tirar minhas dúvidas sobre as transcrições que venho fazendo da gravação dos Batutas. Desde dezembro tenho percebido que a dinâmica de orientações é bem diferente das que já estava habituado na UFPR. Os professores aqui orientam muuuuita gente! Alguns chegam a orientar ao mesmo tempo 20 mestrandos, mais uns 10 doutorandos, e parece que ainda ganham mal. É uma loucura! Quando cheguei é evidente que não sabia nada disso e assim tentei uma orientação com meu professor. Esperei quase duas horas do lado de fora da sala após a hora marcada para depois finalmente encontrar um ser humano cansando e faminto, um Zé Minhoca com meio quilo em cada pálpebra. Então logo percebi que era cada um por si... Ideia que mudou após o primeiro seminário que falei, dia 19 de dezembro, quando entendi a dinâmica entre os doutorandos e doutores. É no seminário que as orientações acontecem, é lá que os colegas e professores nos ajudam. Mas preciso dizer que só fui delimitar de verdade o meu corpus de tese, um pouco antes deste primeiro seminário, com a ajuda da Profa. Zélia, num fim de tarde congelado de dezembro, num café na Praça da Sorbonne. Hoje concluo que esta relação entre doutorando ou mestrando e seu orientador também é viável, é uma peneira invisível, na medida em que só sobrevive quem é autônomo de verdade e sabe utilizar o conhecimento do orientador da maneira correta. Ou seja, é mais fácil desmontarem a Torre Eiffel do que um orientador da Sorbonne escrever uma linha da dissertação ou da tese. Só vai defender a tese quem entendeu tudo.
Por outro lado, tenho a impressão que neste processo, muita energia é desperdiçada, por exemplo, com alunos que entram no Master 1 sem absolutamente nenhum perfil acadêmico, pois a seleção não é rigorosa como para entrar num mestrado no Brasil. O aluno entra muito cru, com ideias mirabolantes e com muito pouco ou mesmo sem nenhum método, no mesmo nível de um trabalho mediano de final de graduação numa universidade brasileira. Considero um desperdício porque, mesmo que um pouquinho, o orientador vai pensar neste aluno, o aluno vai falar em pelo menos um seminário e aborrecer colegas e doutorandos bisbilhoteiros como eu (como aquela simpática aluna grega que jurou por Zeus que “Eu só danço samba” é um Jazz); porém tudo pode dar em nada e ele não se qualificar para o Master 2.
No Brasil, como as seleções são mais a conta gotas e cada professor aceita somente cerca de 2 ou 3 alunos, é difícil que este aluno não conclua o trabalho. Me parece que na França, atualmente, eles usam o Master 1 mais ou menos como no Brasil e EUA se usa a qualificação. A diferença é que na França o aluno pode fazer um Master 1 sobre um tema e mudá-lo quando entra no Master 2... Fato que também acho um desperdício de esforço porque isso dá margem a dois trabalhos menores em dois anos, enquanto no mestrado brasileiro é um único trabalho, um único tema, em dois anos. No meu ver, mais tempo para produzir algo de relevância e mais coerente para poder dar continuidade numa tese de doutorado. Porém, muitos franceses também aproveitam Master 1 e 2 para explorar um único problema e depois seguem no doutorado como manda o figurino. Como disse antes, quem pegou pegou.
De modo geral entendo que existe esta diferença de postura governamental da educação francesa, onde de verdade quase todos tem uma chance. No Brasil ainda é um acesso muitíssimo restrito.



Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.

Dossier SORBONNE N°6: Causos de seminário

Também não poderiam ficar de fora do meu pequeno dossier uns pitorescos episódios seminarescos. No primeiro seminário da Sorbonne no qual falei, dia 19 de dezembro de 2009, acabei sendo obrigado a argumentar com um colega sobre uma de suas afirmações, e fiquei feliz por estar lá e não deixar barato. Ele está no fim de um trabalho interessante sobre “batucada” brasileira e é um estudioso há muitos anos da música feita no Brasil, porém tive que argumentar sobre um termo vago que ele estava utilizando durante sua apresentação: “swing brasileiro”. Antes de questioná-lo, me perguntei se este termo seria usado normalmente numa discussão em uma universidade brasileira e conclui que: “de jeito nenhum!” Swing brasileiro, ou melhor dizendo, o “molho brasileiro”, é algo que se fala muito e todos os músicos sabem o que quer dizer, mas não dá pra sair usando gratuitamente, muito menos em um trabalho acadêmico. Acho que é possível falarmos numa “alta competência na compreensão rítmica” de um gênero musical ou outro, mas não essa mágica do “molho” própria dos vapores alcoolizados das rodas de choro e samba. O resultado do debate foi um leve olhar de prazer do meu professor que coordenava o seminário...
No mesmo dia, na pausa para o almoço no tradicional restaurante japonês em frente à Maison de la Recherche, este mesmo colega insistia que o Choro não era música ocidental, mesmo após ter raciocinado que o Choro, o Jazz e outros gêneros musicais da América Central possuem uma origem em comum, aquela longa história de elementos europeus e africanos se encontrando ao longo do processo de colonização e que viram a luz, todos mais ou menos na mesma época, no ambiente urbano do fim do século XIX e início do século XX. Apesar deste raciocínio, para ele o Jazz ainda continuava sendo música ocidental e o Choro não! Por quê? Para minha surpresa não tive uma resposta e descobri que ele nunca havia pensado por este ângulo! Depois deste episódio calculo que para uma boa parte dos músicos europeus, o Choro, ou qualquer outro gênero nascido no Brasil, ainda seja música não ocidental, exótica. Talvez a Bossa Nova não tenha este estigma, mas também já se confunda com o próprio Jazz, como fez a aluna grega. Pode ser que valha a pena se preocupar e dar uma pensada/estudada nesta situação... Ou não.
Durante estes seminários é claro que um dos aspectos pessoalmente mais marcantes é o fato de ter que apresentar em francês. Por causa deste francês, acontecem algumas situações bastante engraçadas, mas engraçadas só porque estou muito relaxado quanto a isto. Parto do princípio que é mais importante “o que” você fala do que “como” você fala, corroborado pelo aval do meu orientador que afirma ficar satisfeito com a simples compreensão. Esta coisa do “o que” versus “como” parece soar simplista aos mais céticos, mas garanto que na minha condição de “pseudo-gago” é algo vital! Mas não se preocupem, também sei que não dá para abusar da paciência e boa vontade dos ouvintes.
Até agora, o golpe mais cruel na língua francesa, suponho com base nas caretas de minha sonolenta audiência, foi um belo e novo (para lusófonos um tanto ambíguo) verbo lançado: Je me “debruce” sur ce sujet... Os outros golpes também tiveram a sua dose de crueldade, visto o olhar de constante nojo que me lança aquela colega loira de cabelo tosado, sempre vestida à la Madonna e Mad Max, no fundo da sala.


Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.

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Imagem: Debate livre - Bernard Vié

Dossier SORBONNE N°7: Ex-Molière da mata atlântica


Este relaxamento com a língua francesa é algo adquirido recentemente, visto que nos idos de 2005 eu era um verdadeiro Molière das pirambeiras, até mesmo me aventurando e disposto a ensinar os primeiros fonemas e frases de sobrevivência em francês a alunos de uma escola gasparense de línguas. (É fato que a cara de pau de flautistas pode não ter limites!) Bom, ainda assim este relaxamento é algo curioso que está acontecendo há alguns meses e que coincide com um aumento visível na minha expressividade e entendimento musical, através do Choro. Essa língua sim, a música pura, o som sem o verbo, sobretudo na melodia, ali eu caí de cabeça e continuo mergulhando cada vez e com mais prazer! Parece que só isso me interessa! Parece que o francês não é importante para minha tese, mesmo sendo uma tese na Sorbonne, mas a música é 100%!
Durante a roda de Choro lá no Bar Château d’Eau, quando me dei conta, estava dando instruções em português para um flautista francês durante uma performance de um Pixinguinha... No momento pensei que meu cérebro estava atento à outra coisa, à música, e nem pensei que tinha que falar em francês para ser entendido. Também não vou negar que já tenho uma viagem de volta marcada e um plano a longo prazo em lugares onde o francês não conta muito. Acho que isto também deve fazer um efeito sobre meus desejos. E ainda tem o fato de estar mais seguro na comunicação das minhas ideias, em francês (e em português). Tout cela est quand même intéressant!


Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.
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Imagem: Colcheia Amarela - Helena Lobato (2001)

Dossier SORBONNE N°8 (Final): Tupi, vice campeão!

Entre setembro de 2009 e junho de 2010, tenho seguido com uma considerável assiduidade os eventos da Sorbonne (com exceção de janeiro que fiquei em Itapema). Não estou com muita disposição para citar todos os eventos, mas é possível ter uma ideia da quantidade através dos sites dos dois grupos de música da École Doctorale 5, o “Observatoire Musical Français” (OMF: http://www.omf.paris-sorbonne.fr/) e o “Patrimoines et Langages Musicaux” (PLM: http://www.plm.paris-sorbonne.fr/) e também do site da própria universidade Paris-Sorbonne: http://www.paris-sorbonne.fr/fr/.
Até este ano não existiam cursos obrigatórios para os doutorandos (a partir do ano que vem existirão, pois um musicólogo foi eleito presidente da Escola Doutoral, e assim ele quer e assim será), e por isso segui vários cursos e seminários do mestrado. O que foi de grande utilidade para compreender o funcionamento das engrenagens e também ver de tudo.
Semana passada assisti as três tardes inteiras da reunião do OMF, desde a primeira onde um dos temas discutidos foi a situação das publicações em francês em relação às outras línguas, sobretudo ao inglês, até o finalzinho da terceira tarde, no anúncio do Prêmio Canal Académia, concedido às melhores exposições nas Doctorales de Musique et Musicologie, aquele grande seminário nacional que também participei no fim de março. Discutiu-se, entre muitas outras coisas, a hegemonia massiva da língua inglesa (e não somente nas ciências duras), falou-se de uma aparente falta de interesse de estrangeiros em ler ou falar francês, algo que foi contestado e com razão (pois a maioria dos intelectuais do mundo lê em francês), também discutiram a criação de revistas bilíngues para enfim atingirem um público maior (como uma revista de Jazz austríaca que é publicada em alemão e inglês), para resumir, a preocupação daquele momento da reunião era a internacionalização do francês acadêmico. Discussão que acompanhei curioso, porque ficava fazendo relação com minha experiência na academia tupiniquim, onde a relação com as “línguas internacionais” passa por outras picadas.
No final do último dia desta reunião do Observatoire Musical Français, a Profa. Pistone fez um breve discurso sobre o tal prêmio das Doctorales, que consistia na seleção de uma das exposição para ser transmitida pela rádio Canal Académia. Confesso que, apesar de não serem grandes, também fiquei com expectativas de uma surpresa, visto os muitos elogios dos professores e organizadores daquele congresso à minha exposição! A professora estava visivelmente nervosa, pois ainda não havia aberto o envelope com o resultado e ao mesmo tempo explicava que tinha selecionado, para enviar aos juízes da rádio, seis exposições impecáveis e uma outra, tipo café com leite, de um doutorando estrangeiro, que apesar de um forte sotaque, estava perfeitamente adequada à proposta do congresso e tal... E isso tudo olhando pra mim... Dizendo que "falta só um pouquinho mais de francês, quem sabe no ano que vem", meio que se desculpando sem jeito, etc... E eu ainda meio que começando a entender... Finalmente, trêmula e confessando sua ansiedade, porque o pessoal da rádio também tinha comentado que ela teria uma surpresa... A professora, diretora do OMF, abre o envelope pardo e fala num tom entre a alegria e a decepção, meio neutra (claro, tudo isto fruto do meu imaginário idealista!), dizendo que a surpresa era que os seis trabalhos impecáveis haviam sido selecionados para o prêmio e... Então olhou pra mim dizendo de novo que faltou um pouquinho de francês...Hehehe, seis campeões e um vice...
O que me chama a atenção é que a minha exposição foi inteiramente lida, com um texto gramaticalmente correto. Então, o que não agradou aos juízes da rádio foi meu sotaque muito estrangeiro. Depois fiquei pensando sobre isso e relacionei à preocupação com a internacionalização do francês: o quê é mais significativo da potência de um idioma do que um estrangeiro se esforçando e produzindo naquele idioma? Imagino que a cúpula da musicologia da Sorbonne saiba disto, tanto que minha exposição foi mandada junto com as outras seis campeãs. Agora, não sei mais, se faltou um posicionamento mais enfático por parte do OMF quanto às suas indicações ou se a responsabilidade da decisão pesa totalmente sobre os juízes da rádio, que ainda não entenderam nada. “Vô sabê?!?”
No fim das contas, gauleses e tupiniquins, vice-campeões!

Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.