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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Dossier SORBONNE N°1: Considerações iniciais & Universitas

Considerações iniciais
Faltam algumas semanas para o fim deste período mais longo em Paris e nada mais apropriado do que escrever um pouco sobre o motivo principal de minha vinda, ou melhor dizendo, a justificativa consciente deste empreendimento. E bem apropriado iniciar este texto escrevendo à mão, in loco, no terceiro andar atrás da cúpula da antiga capela da universidade, aqui nos raros metros quadrados reservados à UFR de Musique et Musicologie.
Preferi começar a escrever ainda durante o processo que estou vivendo e assim preservar um movimento no texto, uma história de amor e ódio. E também por esta semana estar particularmente calma, nobre, possante e ter me inspirado sentimentos muito fechados e profundos. (Possante é (a) inspiração do meu querido amigo e poeta das bossas Paulo da Costa, o Paulo da Bossa!)
A universidade já está em clima de férias, o calor chegou, mas para meu prazer ainda tenho um seminário dia 12 de junho, no qual irei apresentar o artigo escrito a quatro mãos com a Cambacica. Estou contente, pois é um artigo que acaba de ser publicado na Revista Música Hodie Volume 9 N°2 da Universidade Federal de Goiás e poderei expor para meus nobres colegas no seminário doutoral... Curioso pelos comentários e sugestões. Afinal, é um artigo nascido do fundo de uma garrafa de vinho, em um longínquo verão de Gaspar.

Universitas
Após esses meses em Paris e em Ivry sur Seine, a cidade vizinha à Paris onde fica o cafofo do Denis, minha caverna, sinto um grande amadurecimento quanto ao funcionamento da máquina acadêmica parisiense, francesa, amadurecimento que escapa (não consigo evitar) aos avaliadores de projetos em música da Capes e Cnpq, órgãos institucionais brasileiros de apoio à pesquisa, educação e produção de conhecimento.
Parecido com o Brasil, na França também existem diferenças entre as universidades. Diferenças de tamanho, de estrutura, organização, espaço físico, infra-estrutura, qualidade do corpo docente, critérios de avaliação e de seleção. Tudo isso também existe na França, como no Brasil existe, por exemplo, a diferença entre USP e Universidade Espírita à Distância. Pensando bem, talvez na França não tenha uma disparidade tão abissal... Mas, enfim, vocês pegaram o mote. Indo um pouco mais longe, dentro das universidades também existem os departamentos especializados, que também variam qualitativamente. Por exemplo, o Departamento de Psicologia Cognitiva da UFPE é tradicionalmente mais produtivo que o Curso de Psicologia da Faculdade Internacional de Cursos Livres... Bom, já estou abusando... O que pretendo dizer é que na França também existem diferenças entre as universidades, a grosso modo, e que também existem diferenças entre as unidades e os departamentos especializados. Então acaba sendo muito vago somente dizer “Fulano estuda na França”; claro que isso já basta aos ordinários deslumbrados, mas na verdade não explica nada.
Estou nestas antigas terras de Lutécia desde setembro do ano passado (além de um período na École Normale de Musique no ano letivo 2003-2004), e com minha compreensão atual, restringindo a discussão, entendo que podemos fazer uma tese de doutorado abordando música em diversas universidades de Paris, como a Paris 4, Paris 1, EHESS, Paris 8... E, a grosso modo, todas elas universidades de grande qualidade em muitos aspectos. A diferença para quem estuda música, no entanto, reside na existência ou não de uma UFR (Unité de Formation et Recherche - Unidade de Formação e Pesquisa), exclusiva para a música nesta ou naquela universidade, algo que em Paris, e na França, só acontece na Universidade Paris 4, a Sorbonne. Isto significa uma estrutura maior, mais investimento, mais professores, mais salas preparadas para aulas de música, mais alunos, mais amplitude e projeção das pesquisas e discussões, mais concertos, mais seminários e congressos sobre música, mais grupos, orquestras, corais, música de câmara, bem mais interessante pra quem vem até aqui se aprofundar em música.
Por exemplo, a EHESS (École des Hautes Études en Scienses Sociales – Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais) também oferece a possibilidade de fazer um mestrado ou doutorado abordando a música. A menção do mestrado em música na EHESS é na verdade “Master en Scienses Sociales de l’EHESS – Mention Théories et pratiques du langage et des arts – Spécialité Musique” (Mestrado em Ciências Sociais da EHESS – Menção Teorias e práticas da linguagem e das artes – Especialidade Música) e o seu doutorado é “Doctorat Musique, Histoire, Societé” (Doutorado Música, História, Sociedade). Ou seja, a música está a priori integrada numa estrutura interdisciplinar, muito legal para historiadores e sociólogos que queiram estudar fenômenos desta natureza ligados à música. Porém menos divertido para quem chega em Paris com seu instrumento em baixo do braço.
O título de graduação em música da Sorbonne é “License en musique et musicologie” (Licenciatura em música e musicologia). Os títulos de mestrado são “Master de Musique et Musicologie – Recherche et Professionel” (Mestrado em Música e Musicologia – Pesquisa e Profissional), “Master Professionel Administration et Gestion de la musique” (Mestrado Profissional Administração e Gestão da música), “Master Professionel Pratique de la musique médiévale” (Mestrado Profissional Prática da música medieval) e o doutorado é “Doctorat en Musique et Musicologie” (Doutorado em Música e Musicologia). Em uma UFR exclusiva para a música é bem mais fácil de trabalhar com os fenômenos musicais e artísticos. Mesmo que a Sorbonne tenha uma forte tradição teórica na música, ainda assim é muito mais divertido para aqueles pobres coitados, como eu, que vivem com os dedos coçando, com vontade de tocar.
A comparação entre a estrutura do que se faz em música na Paris 4 e nas outras universidades francesas fica mais ou menos no mesmo grau da comparação feita acima com a EHESS, ou seja, a música fora da Sorbonne é tratada como uma especialidade de uma UFR interdisciplinar ou então como uma tese que aborda um tema em música num departamento de história ou sociologia. Acho que a situação da música na Paris 8 é interessante; está estruturada no Département Musique, dentro da UFR Arts, Philosophie, Esthétique (Unidade de Formação e Pesquisa em Artes, Filosofia, Estética) e seu doutorado tem a menção de “Doctorat Esthétique, scienses et technologies des arts spécialité Musique” (Doutorado Estética, ciências e tecnologias das artes especialidade Música). Pela menção e também pelo projeto de doutorado de um amigo músico que pude ter um pouco de contato, talvez as discussões na Paris 8 se voltem um pouco mais para a arte, estética, fenomenologia da música que no EHESS, por exemplo.
Ao dizer isso tudo não quero ser pedante (já sendo) e sim informar que, quem pretende vir à França para um mestrado ou doutorado em música ou quem pretende avaliar e julgar projetos de doutorado em música (tenho a intuição que preciso ser muito explícito para atingir a compreensão dos musicólogos requisitados pela Capes e Cnpq), deve saber que “a locomotiva da musicologia francesa é a Paris 4”, segundo as palavras do professor François Madurell, o Chico Madureira. Como no Brasil, as universidades aqui tem os seus pontos fortes e fracos no seu interior. A Paris-Descartes (Paris 5) é tradicionalmente a Escola de Medicina, a Phantéon-Sorbonne (Paris 1) de Direito e a Paris-Sorbonne (Paris 4) de Música... Claro que é tudo mais complicado que esse resumão. Estas universidades tem outras áreas de excelência, de decadência e certamente também alguns buracos negros, mas não tão profundos como os da Universidad Evangélica del Paraguay!
Leandro Gaertner
Paris, junho de 2010.
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