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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

-TAPIRA SKY-

Assim como aconteceu com Recife, minhas impressões sobre a Fazenda Mangueira Preta e Tapira se contornam à medida que estes lugares se afastam no tempo. Porém, estas são impressões urgentes e não poderia esperar (leia-se “me controlar”) muito para escrever, mesmo sem o medo de perdê-las. Destas impressões a mais impressionante é o meu novo olhar para a nossa localização no Sistema Solar, e assim na Via Láctea e assim, construir uma imaginação um pouco mais audaciosa sobre nossa própria posição no Universo, e agora não importa mais se estou falando de mim mesmo, da casa da fazenda ou de nossa espécie. Também não irei perder a surpreendente constatação de: “como demorei tanto para me interessar por isso?” E eu que sempre gostei de mapear, saber dos climas, bandeiras, o tamanho dos países, sempre soube que os Estados Unidos são maior que o Brasil por causa do Alasca, mas perdem para o Canadá, sempre quis me localizar pelos pontos cardeais em uma nova cidade (apesar de perder no shopping de Recife), me ver de “fora”, do “todo”, de “cima” e que aos 5 anos de idade ficava chocado com o tamanho da então União Soviética, um imenso país cor de rosa no antigo mapa... Quando pude ficar mais tempo sob o céu de Tapira tudo isto foi ampliado. Estava precisando mesmo de um banho a céu aberto para encaixar ainda melhor esta história de me localizar espacialmente no mundo, e ver o tamanho da naba.

“Toda cultura tem o seu mito da criação - uma
tentativa de compreender de onde veio o universo e tudo o que ele
contém. Quase sempre esses mitos são pouco mais que histórias inventadas
por contadores de história. Em nossa época, temos também um mito da
criação. Mas está baseado em evidências científicas sólidas. Diz mais ou
menos o seguinte... Vivemos num universo em expansão, cuja vastidão e
antiguidade estão além do entendimento humano. As galáxias que ele
contém estão se afastando velozmente umas das outras restos de uma
imensa explosão, o Big Bang. Alguns cientistas acham que o universo pode
ser um dentre um imenso número - talvez um número
infinito - de outros universos fechados. Uns podem crescer e sofrer um
colapso, viver e morrer num instante. Outros podem se expandir para
sempre. Outros ainda podem ser delicadamente equilibrados e passar por
um grande número - talvez um número infinito - de expansões e
contrações. O nosso próprio universo tem cerca de 15 bilhões de anos
desde a sua origem ou, pelo menos, desde a sua presente encamação, o Big
Bang. Talvez haja leis diferentes da natureza e formas diferentes de
matéria nesses outros universos. Em muitos deles a vida talvez seja
impossível, pois não há sóis nem planetas, nem mesmo elementos químicos
mais complicados do que o hidrogênio e o hélio. Outros talvez tenham uma
complexidade, diversidade e riqueza que eclipsam as nossas. Se esses
outros universos existem, nunca seremos capazes de sondar seus segredos,
muito menos visitá-los. Mas há muito a explorar no nosso. O nosso
universo é composto de algumas centenas de bilhões de galáxias, uma das
quais é a Via Láctea. “A nossa galáxia”, como gostamos de chamá-la,
embora ela certamente não nos pertença. É composta de gás, poeira e
aproximadamente 400 bilhões de sóis. Um deles, num braço obscuro da
espiral, é o Sol, a estrela local - e, pelo que sabemos, insípida,
trivial, comum. Acompanhando o Sol em sua viagem de 250 milhões de anos
ao redor do centro da Via Láctea, existe um séquito de pequenos mundos.
Alguns são planetas, outros são luas, uns asteróides, outros cometas.
Nós, humanos, somos uma das 50 bilhões de espécies que cresceram e
evoluíram num pequeno planeta, o terceiro a partir do Sol, que chamamos
Terra. Temos enviado naves espaciais para examinar setenta dos outros
mundos em nosso sistema, e para entrar nas atmosferas ou pousar na
superfície de quatro deles - a Lua, Vênus, Marte e Júpiter.
Estamos empenhados em realizar uma tarefa mítica.”


(Trecho do livro Bilhões e Bilhões de Carl Sagan)

Por enquanto é melhor deixar quieta a naba do Universo ou Universos e agora o “X” da questão é olhar para o céu noturno e ver a Via Láctea. Ué! Mas... Como assim! Como ver a Via Láctea se nós estamos na Via Láctea? Esta questão elementar nunca tinha latejado em minha contemplativa mente até a terceira cuia de chimarrão da segunda semana na arejada calçada da Mangueira Preta. Mas então fui investigar e saber que o “caminho leitoso” que vemos graciosamente estendido como um véu no céu, a nossa Via Láctea visível a olho nu, é na verdade um dos braços da galáxia onde está o Sistema Solar e, por sua vez, também se encontra o planeta Terra. É uma parte da galáxia, ou melhor dizendo, é um braço da nossa própria galáxia, visível de acordo com a nossa perspectiva, é o que conseguimos, o que podemos ver com os pés plantados em nosso planeta. Aqui da Terra só conseguimos ver esta enorme faixa esbranquiçada, este braço da Via Láctea, como se estivéssemos olhando para as bordas de uma moeda deitada, sem ter a noção de seu formato real. Conseguimos ver de certa maneira sua espessura, porém não vemos que a moeda é redonda. E pelo que entendi, estamos deveras longe do centro da moeda.
Praticamente tudo o que se sabe sobre a Via Láctea, desde o formato em espiral (uma série mais ou menos circular de braços), extensão e idade, só é possível graças à observação de outras galáxias vizinhas, pois as nuvens de poeira e gás de nossa própria galáxia impedem a nossa visão, pois absorvem a luz visível. É... A coisa vai se complicando. Também já seria demais, entre uma cuia e outra, de meias furadas e pernas cruzadas, querer não só entender toda uma galáxia, mas ainda por cima, querer vê-la? Com certeza o próximo passo seria criticá-la e ainda ficar se gabando por morarmos na área nobre da periferia, já poetizando saudosos sobre o nosso espaçoso braço de Órion.
Olha o tamanho da criança! A galáxia onde estamos é tão grande, mas tão grande que, proporcionalmente, se ela fosse do tamanho da Terra, o Sistema Solar seria do tamanho de um CD. E assim, na melhor das hipóteses, a Terra não passaria de um cocozinho de mosca neste CD. Continuando um pouco mais neste absurdo abismo pragmático, sem dó nem piedade, o que poderíamos então pensar de uma pessoa ajeitando o cabelo no reflexo de um CD? Esse negócio de proporção pode nos trazer sempre uma surpresa: um dia achei engraçado que a economia da Argentina inteira equivale à economia do estado de São Paulo; na página seguinte o sorriso maroto se desfez ao ler que a economia do Brasil inteiro equivale à economia da Califórnia. Este tipo de pensamento pode nos deixar de cama, o jeito é seguir andando.
O bom disso tudo é encontrar um garçom turco no alto da rue Ménilmontant e, sob o anoitecer de Belleville, falarmos de nossas terras, e que apesar dele ser curdo e eu da Coloninha, termos uma certeza em comum: pouco importa que língua falamos, estamos vivos e no mesmo planeta, sem poder sair dele.
O céu de Tapira agora me acompanha.


Leandro Gaertner
Paris, Setembro de 2009

Imagens: Representações da Via Láctea.

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Um comentário:

Celine BG disse...

Onde podemos chegar, quando nossas mentes estão abertas como terra trabalhada e adubada só esperando as sementes para a germinação??!!No mínimo até Óreon...
Não é só olhar o céu e sonhar, é primeiro saber o que está olhando e depois sonhar mais alto ainda...
Fico feliz de ter participado de mais uma descoberta tua...quantos outros momentos como este presenciei ao longo desta vida...