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sábado, 11 de abril de 2009

DIÁRIO - LES FOURMIS CHEZ NOUS ou AS FORMIGAS DE CASA



É muito comum comparar o modo como as pessoas agem às formigas. Hoje de manhã também resolvi fazer isto, escrevendo, afinal escrever é um exercício saudável e preciso me manter treinado para escrever minha dissertação de mestrado. Mesmo que minha dissertação não seja sobre as formigas e sim sobre a análise musical para intérpretes.
Nas manhãs que fico em casa gosto de levantar quando o sol já está bem alto (geralmente saio da cama quando o sol já está bem alto) e tomar meu café com um docinho qualquer na varanda de trás, apreciando o movimento do jardim. Nos últimos dias tenho observado com atenção uma longa fila de formigas que passa na extremidade da calçada de cimento, próximo ao gramado, bem em frente onde fico sentado. Elas saem do canteiro à minha direita e vão cambaleantes com uns pedacinhos de mato verde até uma rachadura na calçada na parte de trás da casa distante uns vinte metros, para elas uns 4 quilômetros. Fico pasmo olhando as trombadas que dão umas nas outras, elas caminham, ou correm, sempre muito próximas, chocando seus matinhos muito maiores que elas e que, apesar de balançarem muito, raramente caem.
Ainda no início de sua jornada, a fila de formigas tinha que desviar de uma pedra numa manobra desconfortável aos olhos, torcendo todo o corpo massacrado pelo pedaço enorme e instável de mato. Todo aquele aparente esforço me sensibilizou e resolvi remover a pedra do caminho, num ato que foge à minha conduta padrão que é de tentar não alterar o desenrolar espontâneo da vida natural. É incrível que mesmo morando numa casa confortável, tendo carro à gasolina e acesso a praticamente todos os confortos modernos, como longos banhos de banheira, ainda tenho essa sensação de que posso ser de alguma forma importante ao tomar cuidado com as coisas ao meu alcance ou pensar em não alterar a ordem natural dos eventos. Essa condição me legitima como membro ativo e apaixonado em um dos mais bem sucedidos e contraditórios movimentos sociais da humanidade, a ecologia. Bem sucedido em dois sentidos, primeiro pelo grande poder de adesão em massa e segundo, pelos resultados; aqui em casa na minha infância só se ouvia pardais (passarinhos urbanos importados da Europa) e raramente um pássaro canoro local de porte, mas agora não é difícil ter a companhia de sabiás laranjeiras e cinzas ou ver vôos rasantes de tirivas barulhentas. Parece que nem o Bali conseguiu mais convencer seu filho a ir numa caçada...
Ao transgredir e tirar a pedra do caminho das formigas, constatei surpreso que elas realmente não se orientam pelos mesmos meios convencionais dos humanos. Elas continuaram desviando seu trajeto, agora de um obstáculo imaginário! É claro que ao tratar o espaço vazio, outrora ocupado pela pedra, por “obstáculo imaginário”, eu estou agindo com reservas, como também atribuo com reservas uma certa incredulidade às formigas ao estacarem por um segundo neste lugar e se desviarem penosamente sem necessidade. Isto, porque esta incredulidade é minha, que estou limitado às minhas próprias formas de orientação, como a visão, a audição, o tato e a fé, e não consigo penetrar no instinto orientador de uma formiga. Afinal, as formigas não podem ver ou ouvir como nós, nem ser crédulas ou incrédulas, pelo menos espero que não. Alguns textos nestes livros denominados de “auto-ajuda” e outras destas espiritualidades baratas vivem fazendo metáforas com tudo o que se possa imaginar, transpondo com uma crueza simplória milhares de eventos naturais à natureza das ações humanas. Se existe alguma transposição que possa ser feita ela deveria ser interna e codificada. É dessa maneira que gostaria de defender as formigas!
Após o meio-dia a fila da contramão começa a ser mais numerosa. Algumas formigas ainda fazem o caminho de ida segurando o matinho, mas o trânsito vindo do sentido oposto é mais intenso e causa mais encontrões. Durante o tempo que fiquei observando este vai e vêm notei uma formiga excepcional, extraordinária. Mesmo antes do meio-dia ela já vinha na contramão em direção ao canteiro, e ainda vinha carregando o seu matinho. Acho que nunca poderia saber o que estaria acontecendo com esta tonta desorientada, ou genial, ou preguiçosa formiga. Fico agora procurando com bom humor mais alguma dessas, mas todas estão voltando muito depressa e sem carregar nada. É bem possível que ela tenha chegado ao canteiro e dado meia volta, começando tudo de novo. Num outro dia pode ser que eu acompanhe melhor alguma dessas curiosas e aparentemente incrédulas criaturas.

Leandro Gaertner - Gaspar, Setembro de 2006.

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