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terça-feira, 22 de março de 2011

(=== No Labirinto dos Espíritos ===)


Preciso expressar meu profundo mal estar ao ouvir a conversa, a lógica e a argumentação de dois bons amigos sobre suas crenças no Espiritismo. Agora, no início deste texto, penso que minhas ideias não devessem chegar por enquanto aos seus olhos. Não sei se seriam bem vindas visto o grau de envolvimento deles, da construção do seu próprio bem estar no mundo dos espíritos. Talvez no final, nas últimas linhas deste escrito já terei conseguido coragem o suficiente para apresentar minhas observações críticas a eles: dois amigos músicos que tenho enorme apreço e verdadeiro carinho. Talvez por isso meu mal estar: de assim vê-los de olhos tristonhos percorrendo de mãos livres e olhos abertos um gigantesco e fantástico labirinto. É mais provável mesmo que eu coloque este texto dentro de uma garrafa e o lance no mar, esperando que um destes amigos o encontre numa das encruzilhadas do seu labirinto.
Há uns 8 anos, um deles já havia me explicado, por vontade própria, toda a lógica de funcionamento do “vai e vem” dos espíritos durante as várias vidas. Lembro que eu simplesmente deixei ele falar. Lógica do Espiritismo que pude rever assistindo o filme “Nosso Lar”; confesso que estava curioso para ver os efeitos visuais de uma produção ficcional brasileira. Assim, tenho uma noção de como é articulada a crença nos espíritos, nos estágios de evolução, na reencarnação. Ao reencontrar nesta semana este velho amigo, e mais outro que, para minha surpresa, também lançou seu bem estar no mundo dos espíritos, vi, novamente para minha surpresa, que a episteme espírita ganhara terreno, ela alargou-se e espalhou-se como fumaça em seus pensamentos.
Notei uma exagerada dependência da lógica espírita para explicar as coisas mais improváveis, como a vida de Richard Wagner, o talento de um aluno de flauta, a obsessão pela perfeição de um técnico em reparação de instrumentos de sopro. Tive a impressão que, para estes meus amigos espíritas, tudo em uma pessoa, os traços da personalidade e o comportamento das pessoas, a fala das pessoas, mesmo o humor, as conquistas, as escolhas, as derrotas, a coragem, os medos, a ousadia, a covardia, as decisões, as alegrias e as tristezas, o choro, o riso, o desespero, a felicidade, enfim, toda a variedade da vida humana pode ser explicada e compreendida pela lógica dos espíritos. Não importa a acrobacia argumentativa que precisa ser feita para que as peças se encaixem. Notei que isso nem era cogitado por eles. Via neles um verdadeiro esforço para adaptar esta inadaptável variedade humana à teoria do Espiritismo. Com os olhos em angústia, procurando por uma explicação às coisas, ficam lá quase sozinhos andando por seu labirinto, com as pistas de um mapa borrado. Contraditório ao menor questionamento. Um pesadelo sem fim.
No fundo tudo não passa de uma defasagem enorme de leituras. E isto vale para os outros tipos de crenças no fantástico, desde o judaísmo, astrologismo, cristianismo, islamismo, energisismo... Suas leituras passam longe da crítica de Nietzsche à invenção do homem bipartido em corpo e espírito, por exemplo. Suas leituras passam a toque de caixa por Wittgenstein e suas considerações sobre a linguagem: gnomos, anjos, deuses, Deus, fantasmas, espíritos, dragões, santos milagreiros, fadas... Podemos falar destas figuras, mas isto não significa que elas possam existir! Afirmar que elas existam não passa de mal uso da linguagem! Afirmar sua existência é a criação de um falso problema. Como surgiram estas figuras? Como surgem estes nomes em nossa linguagem? Por quê elas surgiram? Por quê precisamos delas? Por quê umas desaparecem e outras persistem? Por quê nos dirigimos a elas? Por quê umas nos parecem mais infantis e outras não ousamos abandonar mesmo adultos? O que é cultura? Como? Por quê? Qual? Quais? Estas são perguntas maravilhosas e eu poderia continuar a formulá-las por muitas e muitas linhas. Adoro provocar os crentes, é um luxo dos hiperbóreos[1]. Alguns me contra-argumentam: “Você acredita em Papai-Noel? Mas ele existe, não existe?” (pergunta contra-argumentativa provavelmente ensinada nos seminários hoje em dia) E eu respondo: “Existe sim. Mas eu também posso me fantasiar de Diabo, de Anjo, de Deus (neste caso botar um fraque e reger a OSESP), de Gnomo...” Tudo isto é mal uso da linguagem! Alguns problemas surgem pelo mal uso da linguagem. Suas leituras passam longe da luta de Darwin, dos esforços de Dawkins, da vida de Dewey, de Thoreau... Ai, ai... Se penso a quantidade de gente ignorada chego a ficar triste! Preferem um Xico Xavier, um Paulo Coelho e outras máquinas caça-níqueis, exploradoras autômatas das fraquezas humanas!
Sem refletir muito, afirmo que o Espiritismo me soa como um extremo deste homem bipartido que Nietzsche criticou com tanto ardor há mais de 120 anos: galera, por favor, estamos falando de uma forma de vida espiritual independente que pode ir de corpo em corpo, de vida em vida, um mundo completamente desligado da variedade complexa da natureza! Você espírita realmente pode conceber que esta riqueza que nos cerca e nos chega por vários sentidos todos os dias de nossa vida poderia se repetir, ou se preservar em qualquer forma que seja e assim se transmutar em um novo corpo, numa nova vida através do tempo e do espaço? Você acredita que uma energia, ou um espírito pode manter uma linguagem, uma memória pós-corpo-morto? Isto é um extremo corrompido da já então corrompida (de nascença) lógica cristã. E judaica, e islâmica. Todas estas lógicas confinadas nos seus respectivos labirintos, desconectadas da realidade. E o Espiritismo ainda tem um “Q” do sincretismo afro-brasileiro, com a fala com os mortos, a posse ou passe de espíritos, etc. Você pode acreditar que alguém, mais sensível aos espíritos que você, possa falar por seu avô, ou pai, ou mãe falecidos? Que alguém em posse de um espírito X pode chegar ao seu ouvido e sussurrar verdades específicas e exclusivas a você? Então você acredita que a variedade da vida pode ser passada de corpo em corpo, através dos tempos, como numa brincadeira de “passa-anel” espiritual.

Pare! Repare! Basta olhar, ouvir, cheirar, sentir, provar e pensar com atenção ao nosso redor, para se dar conta que o que temos é singular. E assim fico feliz e humilde.
Faça dos seus sentidos um receptor de 360°! Pense bem se esta riqueza pode ser xerocada. Fazemos parte do mistério. Em nós e através de nós o universo é consciente de si, pelo menos até onde for possível. Isto também é um mistério.
Meu amigo espírita disse que as pessoas que chegam ao Centro Espírita estão destruídas. A maioria delas numa tristeza profunda pela perda de entes amados. Eu concluo que desta forma é fácil sugestioná-las, fazer acreditarem com toda a força que realmente podem conversar com um morto, conversar com um ente amado que está num lugar melhor, e que um dia podem se reencontrar, ou que ele pode reencarnar... Como disse antes, não passa de mais uma releitura do velho paraíso. Estou quase me convencendo a ir numa “sessão de passe de espíritos”, para ver como afinal reagem e interagem estas pessoas.
Arrisco a dizer com uma dose de esperança que, no pensamento mais íntimo destes meus queridos amigos, na sua última centelha de razão que transparece em seus olhos angustiados, eles sabem que estão num labirinto sem saídas. E que do lado de fora o sol continua a brilhar e que a totalidade da vida no universo é um grande mistério, sem segredos. A vida é complexa, infinitamente mais complexa que um labirinto (que aliás é uma concepção humana), e por isso é tão maravilhosa. Sabe-se lá se eu também não estou num labirinto... Mas, no meu com certeza não têm espíritos. Ufa, ainda bem... Morro de medo de fantasmas.

Leandro GaertnerItapema, março de 2011.


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[1] Os hiperbóreos são um povo sagrado na mitologia grega, que habitava o extremo norte do mundo, “para lá das costas do Vento do Norte”. Porque sua terra era um paraíso impossível de se alcançar sem a ajuda dos deuses, só foram visitados por raros estrangeiros e por grandes heróis, que receberam maravilhosamente. Não conheciam a doença e viviam permanentemente em festa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Se as pessoas soubessem que saindo deste labirinto criativo e do regramento infindável e insano das religiões, o que se abre aos olhos é serenamente mais agradável. A vida é muito mais fácil de suportar com a consciência dos seus limites de forma clara, sem rodeios. O cultural, o imaginário encantador (poderia ser a arte) fazem parte do processo de doçura que as pessoas necessitam para suavisar este tempo vivido.

Teus pensamentos estão bem claros no texto
Mami