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domingo, 1 de abril de 2012

~ encontros poiéticos ~ a tarde de um fauno



A Série "encontros poiéticos" é baseada nas aulas de história da música do Conservatório Musical Maestro Paulino Martins Alves (http://www.maestropaulino.com.br/), na cidade de Ponta Grossa, Paraná. Como quase sempre temos pouco tempo para a apreciação e curtição da obra completa durante nossos encontros semanais no conservatório, organizar sem pretensões alguns links a partir dos assuntos dialogados em sala pode vir a calhar...


      



 Vaslav Nijinsky como Fauno em 1912                         Capa do programa desenhada por Léon Bakst




~ A tarde de um fauno ~

Stéphane Mallarmé (1876)


Écloga

O fauno:

Estas ninfas, eu quero perpetuar.
Tão leve
O seu claro rubor que um volteio descreve 
No ar dormente, denso de sono.


Amei um sonho?
À dúvida, montão de antiga noite; ponho
Fim, ao ver deste bosque a sutil ramaria
Provar-me que eu, na solidão, me oferecia


Em triunfo, ai de mim! a falta ideal de rosas. 
Reflitamos...


serão mulheres fabulosas
Que à exaltação dos teus sentidos atribuis? 
Fauno, a ilusão se escapa dos olhos azuis
E frios, como fonte em prantos, da mais casta: 
Toda suspiros, a outra, achas que ela contrasta
Qual brisa matinal quente no teu tosão? 
Mas não! no lasso espasmo e na sufocação
Do calor, que a manhã combate, não murmura 
Água se não a verte a minha flauta pura
De acordes irrorando o bosque; e o único vento
Pronto a exalar pelos dois tubos seu alento
Antes que em chuva árida espalhe os sons em fuga
É, no horizonte que não frisa uma só ruga, 
O visível, sereno sopro artificial
Da inspiração, que ao céu retorna.


Ó pantanal
Siciliano, cuja orla sossegada e vasta, 
Rival dos sóis, a minha vaidade devasta, 
Tácito, num florir de mil centelhas, CONTA: 

"Que eu, um caniço aqui talhando, a flauta pronta, 

Feita com arte, eis o ouro glauco dos relvedos

Distantes dedicando a fontes seus vinhedos, 

Ondeia uma brancura animal em repouso: 

Ao lento preludiar do caniço, o gracioso

Voo de cisnes, não! de náiades se assusta, 

Foge ou mergulha..."

Tudo ferve na hora adusta
Sem que se possa ver onde se esconderá
Tanto himeneu, cobiça de quem busca o lá: 
Então despertarei, nos primeiros fervores, 
Hirto e só, sob uma onda antiga de esplendores, 
Lírios! e a um deles igual, a mesma ingenuidade.


Não o doce nada que de seus lábios se evade, 
O beijo suave que perfídias assegura, 
Meu peito, antes intacto, atesta a mordedura
Misteriosa, devida a algum augusto dente; 
Mas basta! arcano tal busca por confidente
O cálamo que sob o azul ressoa, quando
Da face para si a turbação desviando, 
Sonha, num solo longo, ir assim distraindo
A beleza em redor, a ela e a nós confundindo
Num engano que o nosso canto dissimula; 
E fazer, no tom em que o amor se modula
Desvanecer-se do habitual sonho, de lado
Ou de costas, ao meu olhar semicerrado, 
Uma sonora, vã e monótona linha.


Busca, pois, instrumento das fugas, maligna
Siringe, reflorir nos lagos, me aguardando! 
Fero do meu rumor, continuarei falando
Dessas deusas; e, por idólatras pinturas, 
Às suas sombras hei de arrancar as cinturas:


Assim das uvas ao sorver a claridade,
Para a mágoa banir fingindo alacridade, 
Rindo ergo ao céu estivo o meu cacho vazio: 
Soprando as peles luminosas me inebrio, 
Até o anoitecer olhando através delas.


Ninfas, ressoprarei outras LEMBRANÇAS belas: 
"Meu olhar dardejava, entre os juncos, um bando

De colos imortais seu ardor mergulhando

N'água, com gritos de ira até o céu da floresta; 

No banho imergem-se as cabeleiras em festa

Entre frêmitos e brilhos, Ó pedrarias! 

Corro e duas surpreendo enlaça das (pungia-as

O lânguido sabor do mal de serem duas), 

Sonolentas, os braços soltos... e assim nuas

Eu as rapto, sem as desenlaçar, e em meio

A um maciço, da fútil sombra odiado, cheio

De rosas cujo aroma o sol ardendo inala, 

A nossa festa ao dia incendido se iguala. "

Adoro a cólera das virgens, ó delícia
Feroz do sacro fardo nu que com malícia
Foge ao meu lábio em fogo ao absorver-lhe, tal
Um relâmpago, o íntimo frêmito carnal: 
Dos pés da desumana ao coração da tímida
Entregando de vez sua inocência, úmida
De lágrimas e de menos tristes vapores. 
"Meu crime foi, feliz de vencer os temores

Fingidos, apartar o tufo desgrenhado

De beijos, que os deuses guardavam bem trançado: 

Pois apenas fui ocultar um riso ardente

Entre as pregas sutis de uma delas (somente

Com um dedo a outro retendo, em seu candor de pluma, 

Tingida do fervor que acende a irmã, nenhuma

Vergonha enrubescendo a ingênua, ao ver agrados) 

De meus braços, por vagas mortes extenuados, 

Aquela presa, eterna ingrata, se livrava, 

Sem pena do soluço em que eu ébrio ofegava"

Tanto faz! que ao prazer outras me arrastem pelos
Chifres atados às pontas dos seus cabelos: 
Sabes, minha paixão, que purpúrea e madura
Cada romã explode e de abelhas murmura; 
E o nosso sangue, a quem o atrai, se dá sem pejo
E flui com todo o enxame eterno do desejo.


Na hora em que o bosque de ouro e de cinzas se esmalta
Na folhagem extinta uma festa se exalta: 
Etna! é sobre o teu chão, visitado por Vênus
Pousando em tua lava os brancos pés ingênuos, 
Quando ronca um som triste ou a chama se acalma. 
Agarro a deusa!


Ah, certo é o castigo...
Oh, não! a alma
De palavras vacante e este corpo indolente
Sucumbem ao torpor do meio-dia ardente: 
Quero agora dormir, a blasfêmia olvidar, 
E na areia jazendo, abrir a boca ao ar, 
Do astro do vinho haurindo os raios eficazes!


Ninfas, adeus; vou ver vossas sombras fugazes.

Frontispício do poema desenhado por Édouard Manet


l'Après-midi d'un faune de Lucien Lévy-Dhurmer, 1865-1953
(Collection M. de Grandseigne, Paris)

A tradução do poema foi retirada do seguinte site:



Prélude à l'Après-midi d'un Faune - Prelúdio à Tarde de um Fauno
(estreia da música em Paris dia 22 de dezembro de 1894 tocada pela Orchestre de la Société Nationale, regida pelo maestro e compositor Gustave Doret)

Música: Claude Debussy


« La musique de ce Prélude est une très libre illustration du beau poème de Mallarmé. Elle ne désire guère résumer ce poème, mais veut suggérer les différentes atmosphères, au milieu desquelles évoluent les désirs, et les rêves de l'Egipan, par cette brûlante après-midi. Fatigué de poursuivre nymphes craintives et naïades timides, il s'abandonne à un sommet voluptueux qu'anime le rêve d'un désir enfin réalisé : la possession complète de la nature entière. »  (Claude Debussy)

"A música deste Prelúdio é uma ilustração muito livre do belo poema de Mallarmé. Ela não deseja resumir este poema, mas quer sugerir as diferentes atmosferas, entre as quais evoluem os desejos, e os sonhos de Egipan, por esta escaldante tarde. Cansado de perseguir  ninfas medrosas e náiades tímidas, ele se abandona à máxima volúpia que anima o sonho de um desejo enfim realizado: a posse completa da natureza inteira."* (Claude Debussy)
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L'après-midi d'un faune - A tarde de um fauno
(estreia do balé dia 29 de maio de 1912 no Théâtre du Châtelet em Paris)

Música: Claude Debussy
Coreografia: Vaslav Nijinsky
Figurino e cenário: Léon Bakst




O Fauno dançado por Rudolph Nureyev (1980)
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O Fauno interpretado pela Universidade de Maryland


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Partituras, gravações e mais palavras (em francês) sobre o Prelúdio à Tarde de um Fauno neste site:


*Minha tradução.


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