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terça-feira, 23 de novembro de 2010

-estamos no meio-

Estamos no meio do rio. Não somos o policial federal que reclama do barulho dos seus vizinhos com a arma na mão, mas também não somos a pequena comunidade de humanos que moram numa casa sem TV, sem internet, em desapego ao material. São dois extremos, produtos de nossa sociedade. Nós estamos aí no meio.

Um policial federal, até onde me consta, orgulhoso deste cargo. Jovem e pai de diversos filhos, acho que uns quatro ou cinco, morador de um simplório condomínio, destes do meio do caminho, destes de uma classe média estudantil, próximo aos sons da 101, dos odores do Cavoco, à sombra da SUDENE.

Uma comunidade de desapegados, numa casa, não, numa fortaleza murada em frente aos olhos semi-cerrados do batalhão, perto de um castelo holandês cheio de jóias antigas, não muito longe dos ares pensativos, pensativos, pensativos, da universidade.

O policial, com a farda atrás da porta, com a arma na mão, troféu dos idiotas, desce um lance de escadas de queixo firme e chuta a porta entreaberta aos convidados de uma festa. Grita e ameaça duas falantes gentis bolinhas marrons de pêlo, uma do centro do continente outra do extremo calorento. Duas bolinhas falantes surpreendidas pelo penetra com troféu de idiota.

A comunidade entre muros, entre árvores, faz seu próprio pão, abre as portas a todos e acolhe. Com milenares movimentos explora e ajuda nas dores do corpo, do ser, a comunidade exala incenso e humanidade. Não acolhe a internet, acolhe o homem, os bichos e as plantas. A internet é também o homem. Uma ilha das sensações, um retorno ou um passo além, um lugar sem troféus.

O policial preso no seu pequeno quarto do pânico, das mulheres ou homens que não teve, das noites que não dormiu, dos livros que não leu, das imundícies que ouviu e viu, agora aponta sua poderosa arma preta para uma bolinha branca enrolada numa toalha azul.

A comunidade canta a existência e abraça quem chega. Um lugar da Terra, bondoso e frio, à espera, aberto, à espera, é só chegar. Os desapegados entenderam longe e assim ignoram quase tudo, como a natureza. Ignora e pulsa. Estão à espera e jamais invadem. Eles passam.

O policial que grita com a bolinha, que não grita, mas faz poesia e vive para pensar como fazer mais bolinhas novas e agitadas viverem na poesia, uma bolinha que vive para homenagear o universo, doce bolinha cosmopolita essa. Um revólver intruso, duro e mortal, ele não quer só passar. Um invasor, pedinte, ele quer a vida do outro, só ele existe, um idiota com seu troféu.

A comunidade, comum de gente que não entende mais o que acontece lá fora. Gente desapegada e cansada, uma desistência, um outro caminho, uma outra margem do rio, o topo de uma montanha, quem sabe. A comunidade é também mundo, que toca no mundo o mínimo possível, que o toca na medida do possível. Não se esconde. É também mundo. Humanos como natureza, eles são.

O policial também não se esconde, tem sua armadura, tem sua arma, tem seu carro, têm seus números e seus códigos. Pode sim descer as escadas e querer a vida de outro. É quase um bicho encurralado, assustado que sai da toca tocado pela fumaça e pelos risos. É um bicho sim, que anda sobre a Terra, tem direito a ela, mesmo sem entender nada, ou muito pouco.

A comunidade tem gente que não usa camisa, não usa nem chinelo, talvez um chinelinho de couro, uma saia de côco. Entres as árvores e os muros falam português, francês, alemão, espanhol, inglês, tudo misturado num recifês contemporâneo. São pessoas que dançam, gostam de sentar na terra, andar nela, ficam horas vendo uma flor com preguiça de abrir e daí sempre abrem sua porta.

O policial não abre a sua porta, ela é blindada, tem uma farda lá pendurada que ele mostra aos poucos visitantes. Ele não abre nada, ele invade, mete o pé gritando, não tolera garrafas se quebrando pela escada do prédio. A língua dele faz visitantes correrem em pavor e sentirem a bala da arma queimando nas costas. É um atraso.

A comunidade não é fria, mas também não é calorosa não. Lá as notícias não voam, não tem internet, as notícias andam devagar, elas passam e não duram, igual à natureza. Gente desapegada, livre e boa da comunidade não vai resolver, vai deixar, convidar, a ficar e a passar com ela. É como a Lua que nos acompanha lado a lado no espaço.

O policial é um bicho que pensa ser o senhor do instante, fugazes, que segue um monte de ideias que se pretendem ideais. Pensa pouco. É um ingênuo, ingênio, que por ter ouvido muita imundície pensa ter ouvido tudo. Ainda não conheceu o outro lado do rio, só uma espiadinha já ajudaria. Se isto acontecesse não sairia pelas escadas de arma em punho, ameaçando a vida ou a liberdade de poetas, que vivem pra pensar como ensinar poesia.

A comunidade não faz ameaças, nem sabe o que é isso. Também não gostaria que vissem o outro lado do rio como nós vimos. Podem ficar lá na pequena ilha entre muralhas, podem ir para a montanha, se unam à natureza e nos ajudem de vez em quando. Eles nem pensam em ajudar, só estão e são, é só chegar, olhar, ouvir, cheirar e ficar feliz, é como a Lua. Eu ainda conheço muito pouco, preciso de um telescópio e de um microscópio, de mais filosofia.

Nós não somos o policial federal que invade e ameaça grotesco (me perdoem as grotas) com seu troféu dos idiotas nas mãos, também não somos os seres serenos da comunidade que não acolhe a internet. Nós estamos no meio, como eles gozamos e sofremos. Aqui é o melhor lugar? Não sei. É uma merda, mas eu gosto. Gostamos de ver tudo que dá. Gostamos de andar por tudo, falar com todos, com bondosos, cuidadosos, que nos amam, que nos suportam, displicentes, aproveitadores, colaboradores, gênios e imbecis, a maioria tudo isso ao mesmo tempo, corremos mais riscos. De vez em quando nos apavoramos com os extremos como o aqui personificado por um policial federal vizinho do andar de cima, como também nos apavoramos com seu pretenso arqui-inimigo, um cocainômano armado que quer nos roubar, só mais um com seu troféu de idiota, pronto a _tirar a vida de quem só está no meio do rio, passando e vendo tudo, à mercê, à deriva, tentando entender, avançando rio acima.

Pra Camba!


Le

Recife, 23 de novembro de 2010.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sempre que ouço falar em "estar entre ou no meio", penso em estar em cima do muro...atitude cômoda, não muito ética e normalmente escolhida pelos fracos.
Esta visão do MEIO em que te colocas é clara, nada segura e extremamente coerente em relação ao que vives e como vives. Não estas dissociado do mundo, ao contrário, és transeunte no rio e em suas margens. Convives com tudo. Tens que te adequar aos movimentos das marés, das cheias e das vazantes. Muitas vezes nadas como louco contra a correnteza outras te solta para ver onde vai dar...
Preciosa a maneira de apresentar singuridades de uma vida nada singular. (my precious rsrsrsrs)
Delícia te ter desse jeito.

Anônimo disse...

ó anônimo!!!! ahahaa.... tu também estás no meio....

Ana Paula Pereira disse...

TE AMO E CHORO DE LER E LEMBRAR!!!!