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terça-feira, 14 de setembro de 2010

~ O Monge Celibatário ~


Por uma das janelas de um antigo mosteiro construído no alto dos rochedos, um monge observa a plebe que caminha lá longe na areia da praia. São pequenos pontos sombreados que andam apressados de um lado para o outro até desaparecerem atrás do morro, lá onde estão os campos cultivados. Alguns ainda se perdem entre as casas do vilarejo, que estica seus braços de pedra e lama até muito próximo do mar. Muito longe, no limite do que os olhos podem enxergar, mostrando-se entre a fina camada da poeira das ondas, montanhas verdes avançam mar adentro e abraçam a baía do mosteiro.
O monge apóia e descansa os olhos na linha do horizonte e vê tons de rosa, os mais ricos azuis e respira fundo aquele ar salgado. Sonha nostálgico com uma aventura num barco que tentaria chegar até o fim do oceano. Quem sabe ainda nestes dias mais alguém apareça em busca de seus conhecimentos e então poderá falar de figueiras e outras árvores, dos passarinhos, de viagens e da música.
*
Em trajes rotos, num marrom acinzentado, desce devagar os estreitos degraus até as ruas do vilarejo. Caminha compassado, muito lentamente e quase incógnito, pelo gentil movimento dos habitantes. Escuta os sons dos feirantes, dos saltimbancos, das sinetas, dos velhos de braços cruzados e encostados, sentados no chão. Algumas lindas donzelas ainda com cheiro de leite, outras já exalando jasmim, saltitam exibindo seus cachos e quadris recém torneados. Elas olham de soslaio para dentro da taverna, espiam sorrateiras os que saem da casa do joalheiro, falam coisas leves ao mensageiro que corre atarefado. Meninos brincam na porta e esperam os gritos da mãe gorda. Então ela aparece; as pernas inchadas e venosas, uns fios, cerdas, abaixo do queixo, com um pequeno ranhento chorando, no balanço, entre um pano imundo e as dobras do braço.
O monge em sandálias de couro caminha rumo ao depósito de valores para ver se a ajuda do Papa já havia chegado. Passa por um trabalhador carregado de cordas e o cumprimenta. Na rua, entre os animais e as pessoas, entre um pensamento e outro insinuam-se cheiros de pão e de flores vindo das casas. O pensamento então entra neste outros mundos ao lado e espia a tranquilidade aparente.
Antes que o dia termine, o monge retoma o caminho dos rochedos, passando pelo sinuoso caminho até os degraus de pedra gasta. Sobe paciente até o isolado mosteiro com as cores e os sons do vilarejo em redemoinho na memória. Quantos sabores não provara? Sobe ao encontro dos textos, da flauta e do silêncio.

Caro leitor. Esta seria a descrição de um monge celibatário nas últimas estações de um feudo medieval? Ledo engano!

Este monge sou eu em Itapema.


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Imagem: "Le Château des Pyrénées" de R. Magritte (1959)

Itapema, 14 de setembro de 2010.
Leandro Gaertner


3 comentários:

Anônimo disse...

Quando eu li o título, já sabia que eras tu...acompanhando a narativa te enxerguei no ambiente...é...celibatário, solitário, tudo meio involuntário mas,naturalmente necessário...e agora, me faço de emissário...vem, vem pra cá monge sedentário, venha elocubrar o imaginário para não ser assim..tão solitário...

Ana Paula Pereira disse...

e se nao fosses o personagem, ainda assim, seria uma narrativa pra si pra nós... te amo
vemm

Anônimo disse...

Parece uma disputa entre duas forças...os dois recados altamente solidários he he he he...
Na verdade, o primeiro é cheio das idéias e o segundo cheio das intenções he he he he adivinha quem ganhou?!!!!kkkkkkkkkkkkk