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domingo, 26 de setembro de 2010

(Devaneios de uma manhã de insônia)


Nos últimos dias tenho ido contra minha natureza e acordado cedo, antes das 7 horas, às vezes por compromisso, mas na maioria das vezes por simples ansiedade. Mesmo hoje, um dia após o fim do concurso para professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa e livre das leituras sem fim, perdi o sono junto com as primeiras claridades. E, mesmo cansado de ver letras, uma necessidade enorme de escrever algo bem pessoal foram meus primeiros pensamentos logo ao perceber que estava acordado, sem querer construir personagens, sem querer escrever em forma de conto, só escrever meus devaneios frutos desta insônia.
Li muitos artigos, capítulos de livros e mesmo livros inteiros sobre educação e educação musical para me preparar para o concurso e hoje finalmente não preciso mais pensar nisso. Posso andar na praia e não ficar pensando no sorteio dos temas do concurso. (Vale mencionar que os temas sorteados foram ótimos para mim, o ponto n°9 “Reflexões sobre a educação musical no Brasil e a música como componente curricular obrigatório nas escolas de educação básica” para a prova escrita foi bom pela amplitude da discussão e o ponto n°1 “Teoria e prática em disciplinas teórico-musicais: possibilidades para a formação no curso de Licenciatura em Música” para a prova didática foi excelente por se aproximar muito da minha própria prática docente). Fiz a prova escrita na sexta e a prova didática no sábado, ontem. Acho que ainda devo estar com as ideias a mil por hora devido às leituras e à forte elaboração exigida nas duas provas, pensar, escrever e falar seriamente sobre alguma coisa nos leva a lugares profundos, nos transforma, me sinto muito forte, revigorado, mas também com vontade de não pensar em nada, mas isso eu não consigo.
Hoje quero escrever, mas não muito. Só estou a fim de dar aquela blogada mesmo... Tipo, escrever para “meu querido diário”... Ah, como fiquei contente em saber que tive novos leitores do meu blog, meus queridos professores e também amigos Isaac e Zélia... Também confesso que fiquei um pouco sem jeito, afinal, aqui estão minhas impressões desprovidas de qualquer filtro, ou pelo menos pouquíssimos filtros, se levarmos em conta os dez mil filtros da polidez do ambiente acadêmico. Na verdade, fiquei lisonjeado!
Ontem no concurso me questionaram muito sobre o doutorado e essa manhã acordei também pensando muito na Sorbonne. Lembrei da imagem que construí numa conversa com a Cambacica lá em Paris. Pensamos juntos na Sorbonne, Paris IV, como um “grande pulmão” no centro da cidade. Como essa universidade é primordialmente a casa das ciências humanas, das “humanidades”, pensamos e acreditamos ser até mesmo uma casa para “a Humanidade”! A Sorbonne, com suas dezenas e dezenas e dezenas de seminários semanais em Música, Literatura, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Educação, Linguística, que acontecem quase o ano inteiro, é um verdadeiro pulmão que oxigena Paris. Imaginamos aquele lindo prédio bem no meio da cidade como um órgão para a saúde das ideias deste ser complexo, que é a sociedade, nós, mulheres e homens e nosso meio. Fiquei pensando na beleza que é uma instituição como a Sorbonne, tão grande, tão real, funcionando, pública, aberta, uma linda academia, uma linda caverna dos saberes humanos, um verdadeiro tesouro da Humanidade.
Também pensei hoje nos meus seminários do doutorado e tantos outros que acompanhei do mestrado da Sorbonne. Essa manhã fiquei aqui ouvindo as náiades de Itapema, matutando sobre a diversidade de gente que aparecia para falar nos seminários, gente de todos os cantos, de todos os sotaques. Fiquei pensando que essa diversidade organizada em debates é maravilhosa e tenho esperança que até já possa ser um reflexo de nossa época. Um amor e respeito à humanidade inteira, um senso de irmandade, para além de laços de espécie, laços de habitantes do mesmo planeta, que possamos começar a nos ver mesmo como raridades vivas, e que apesar de nossos socos e grunhidos nós conseguimos olhar o céu com sonhos habitados...
Não posso não me emocionar ao imaginar os primeiros lampejos profundos do ser! Aquele homem de cócoras ainda com pedras e paus, nos primeiros anos na companhia do fogo, olhando as estrelas e se enxergando abaixo delas! Aqueles seres incríveis de Lascaux e Altamira! Como já andamos desde nossos amados antepassados, esses seres distantes são nossos pais, mas também como ainda somos tão parecidos, como ainda estamos no abismo... Ai que abismo... Que abismo... Que doce abismo nos encontramos, ser-estamos, ÊTRE - TO BE - SEIN, que doce abismo, que doce montanha, que cheiroso mar, árvores e campos, terra, que fomos parar, estando correto ou não a teoria sobre as infinitas variáveis de uma matéria eterna!
Tenho muita esperança na nossa época, que essa aproximação da diversidade seja um passo à irmandade e ao amor. Hoje acredito que o amor à humanidade sistematizado desta maneira, pela aproximação da diversidade, todos de mãos dadas, pode suprir uma lacuna vital nos anseios do homem. Pode suprir e já supre totalmente, pelo menos no meu caso, certamente do meu orientador, e certamente de muitos outros seres habitados pelos céus do presente. Acredito que estas são as crenças coletivas discutidas em lugares como a Sorbonne, como em tantas outras boas universidades do mundo. Lugares de humanos que se arrepiam e se emocionam com sua descendência longínqua, entendem e amam as conquistas das ideias e dos pensamentos até aqui. Precisamos continuar nos emocionando assim, pelo amor e esperança, pela beleza intrínseca à raridade da vida.
Os últimos 200 anos têm sido especialmente movimentados na humanidade. Até cerca de 150 anos atrás éramos felizes e esperançosos na concepção de uma providência divina, assim ela nos foi ensinada eterna, então estudávamos filosofia de mãos atadas, ou seja, fazíamos teologia. Depois acreditamos na nação, na bandeira, no hino, na língua pátria, e assim a nação também nos foi ensinada como eterna. Isso tudo é inexoravelmente diluído aos poucos e dá lugares às novas crenças. Em lugares como a Sorbonne eu acho que isso já está acontecendo. E onde eu estiver isso com certeza estará acontecendo, em cada frase que falo ou escrevo, em cada olhar, abraço, sorriso ou em cada sonho de minha flauta. Minha esperança é que acreditemos na irmandade, não somente entre nossa espécie, na irmandade com tudo que está ao nosso redor, até mesmo na irmandade com as estrelas, com o tempo! Afinal, como habitamos também somos habitados!
Quando falamos em instituições e sociedade contemporânea, precisamos de maneira indelével pensar em larga escala e assim também somos obrigados a pensar em educação. Hoje acredito que pela educação chegaremos onde quisermos, na arte, na natureza que nos cerca e habitamos e fazemos parte, nos pensamentos complexos e na irmandade, pela educação chegaremos na felicidade coletiva e na não violência.
Só para encerrar com uma piadinha... Está claro para mim que em uma sociedade sem educação, alguém como Tiririca continuará sendo chamado de artista e alguém como Alexandre Pato será um gênio. Depois dessa preciso andar na areia... Beijo me liga...


Leandro Gaertner
Itapema, 26 de setembro de 2010.

Imagem: “Rooms by the sea” de Edward Hopper.