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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Páscoa, Cenoura & Bronze! "FELIZ FERIADÃO!"

Estamos na semana da páscoa e neste ano minha família faz um esforço em busca da Páscoa à moda antiga, da época em que éramos crianças. O velho folclore insinua-se como um coelho matreiro pelas minhas horas, a despeito da minha indiferença ao andar de pescoço encurvado na seção dos chocolates no super mercado e estranhamento sincero ao ouvir “feliz páscoa” da desconhecida funcionária. De minha parte também tem um esforço, o de continuar compreendendo a maioria das pessoas e este desejo de “feliz páscoa”.
Ao longo do ano ouvimos cerca de três “feliz alguma coisa” coletivos (natal, páscoa e ano novo) e um “feliz aniversário”, que é individual. Destes três momentos coletivos, o natal e a páscoa são oriundos de uma antiga tradição folclórico-religiosa, com variação de ritos de comunidades para comunidades, mudando de épocas em épocas. É bom lembrar que o natal dos cristãos se apropriou de antigas comemorações do solstício de inverno no hemisfério norte, presente em culturas antigas que influenciaram os romanos, como a persa e a hindu. Outras culturas ao longo da Terra também tinham e têm suas versões desta festa que, na origem de todas, é a vitória da luz sobre a escuridão, do retorno do Sol. Ou seja, é no solstício de inverno que os dias voltam a ficar mais longos e na Roma pré-natal, onde este mesmo Sol já brilhava, não era diferente: a alegria continuava com as homenagens ao Sol Invictus. Depois disso, já sabemos onde as comemorações do solstício foram parar dentro da mitologia cristã e, centenas de anos mais tarde, nas sociedades contemporâneas. Nem a estrela do alto da árvore de natal é párea às mágicas caridosas de Noel, à neve de algodão e ao Mitsubishi em laços vermelhos no meio do shopping.
A páscoa de hoje também tem origens semelhantes. A simbologia de “passagem” ou “ressurreição” que herdamos também da mitologia cristã, antes de tudo é a passagem do inverno para a primavera no hemisfério norte, no mês de abril, mais uma vez um ciclo de vida na Terra. Podemos verificar comemorações de início de primavera em diversas culturas antigas, tão antigas quanto o Homem. E mais uma vez vemos esta “passagem” e “renovação” da vida se transformando: já conhecemos bem o mito cristão e, algumas centenas de anos mais tarde, onde esta “festa da renovação” foi parar nas sociedades contemporâneas. Prometo que entrei num restaurante decorado com cenouras de pelúcia e demorei alguns minutos para entender que aquela era a decoração de páscoa.
Este ano, visto que um encontro familiar pascal se aproxima, fiz um mini flashback para lembrar onde estive nas últimas páscoas... Nos dois últimos anos estava em viagem: em 2009 estava em Recife e nos dias pascais fui até Gravatá, no interior de Pernambuco; em 2010 só me dei conta da páscoa quando entrava com Ana Paula na igreja de São Eustáquio em Paris para ver um concerto de órgão às 18 horas! “Putz! Hoje é páscoa!”- dissemos juntos e surpresos na frente de um cartaz de páscoa colado na porta da igreja. Em nenhuma destas páscoas lembro de ter pensado em chocolate, ou ovinhos, ou coelho, ou cenoura, ou muito menos em cruz. Já da páscoa de 2008, não lembro absolutamente nada. Sei que é difícil, e até bobo, ficar neste exercício de memória de encontrar as páscoas individuais ano a ano. Isso não importa tanto... O que me interessa, e que me chamou atenção nesta história toda, é ter passado duas páscoas praticamente sem pensar em páscoa, apesar da euforia pascal dos chocolates e das insistentes missas da minha infância. Não sei, talvez não tenha colado algodão o suficiente nos coelhinhos da páscoa na aula de “artes”...
Afinal: o que desejamos quando dizemos feliz páscoa? É a renovação da vida na Terra que desabrocha após um longo e frio inverno? É a ressurreição do Homem simbolizado no mito do Cristo ressuscitado? É a fertilidade simbolizada nos coelhos? É o renascimento simbolizado nos ovos? E essas renas natalinas? E essas cenouras pascais? Apesar de estarmos no hemisfério sul e a primavera só começar em setembro, acho que tudo isto pode ser “páscoa” para as pessoas de hoje. Na prática, digo com uma dose de humor que talvez esta renovação pascal seja mesmo uma renovação das forças graças ao feriadão. Acho que quando escuto “feliz páscoa” devo estar escutando “feliz feriadão”.







Não custa nada incluir uma pequena citação do Álvaro de Campos:




"Come chocolates, pequena;



Come chocolates!



Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.



Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.



Come, pequena suja, come!



Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!" (Álvaro de Campos)




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Leandro Gaertner
Itapema, 21 de abril de 2011.

2 comentários:

Osnir da Silva disse...

William George Ward disse que o pessimista se queixa do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas.
Estou cada vez mais encantado com os seus posts, embora eu confesse: Sou otimista de "carteirinha". Admiro seu modo cartesiano de pensar. Instiga-me a refletir sobre "verdades" que me foram incutidas em toda uma vida, embora me sinta bem em ser um "conformiste", ao seguir Jesus com uma fé simples.

Celine BG disse...

Não acho a fé uma coisa simples...aprendemos, ou melhor, somos treinados a sentir a fé.O resultado deste treinamento é quase sempre um desastre. O pouco entendimento da fé resulta nesta confusão de manifestações emaranhadas, díspares e na maioria das vezes sem sentido nenhum. Entretanto, concordo com o bom humor de enxergar tradições que se alteram rapidamente,como ciclos, onde as pessoas tem uma possibilidade de recarregar energias, encontrar amigos e parentes queridos,festejar com comilânças e chocolates e abraços e carinhos e afetos...ficando aquele sentimento gostoso de recomeço...para mais outro ciclo...e assim completar o giro no sol, mais uma vez...Gosto desta rotina.